A união entre arte erudita e arte popular
Kéthuly Góes Da equipe do DIÁRIO
O Museu de Arte Aloísio Magalhães (MAMAM) abre as portas, hoje, oferecendo ao público duas mostras de arte que, apesar de nascidas de fontes diferentes, com propósitos distintos, são de grande valia para o conhecimento da arte visual pernambucana e nacional. Cenas da Vida Brasileira, série de pinturas e litografias do premiado João Câmara tem caráter erudito, o traço de quem fez escola e domina o universo da pintura e gravura. Viagem a São Saruê, organizada por Ramires Teixeira, inclui trabalhos de xilogravadores nordestinos, resgatados do acervo particular do colecionador Giuseppe Baccaro. A partir desta mostra, o acervo de Baccaro começa a ser catalogado sistematicamente pelo MAMAM. As novas atrações no circuito de arte ocupam térreo, primeiro e segundo andares do museu e o horário de visitação vai das 12h às 18h, de terça a domingo.
As pinturas e litografias que fazem a série Cenas da Vida Brasileira foram vendidas pelo artista à Prefeitura do Recife em 80 e integram o acervo permanente do MAMAM. Trata-se de um conjunto de trabalhos que revelam a leitura do artista sobre a realidade brasileira no período de 1930 a 1954. “Em termos de coleção completa para exposição, esta série é o que temos de mais significativo no MAMAM. Pôr o acervo da casa à disposição do público e discuti-lo com a sociedade é um dos compromissos de qualquer grande museu. Estamos dando o primeiro passo”, adianta Marcos Lontra, diretor da casa.
Além da qualidade inquestionável do trabalho artístico de João Câmara, conceituado como dos mais completos artistas brasileiros da atualidade, Cenas da Vida Brasileira é um mostra plástico-didática, um registro poético da história política e econômica brasileira. Invade a esfera do poder, analisando não só as conseqüências da economia no terceiro mundo, como conquistas trabalhistas e restrições às liberdades individuais que marcaram o período. Como descreveu o crítico de arte Frederico Morais, “a série é uma análise profunda do poder em nossa história de arte, da grandeza e da miséria do poder”.
O diretor do MAMAM diz que se sente honrado em apresentar a série à população. “É um patrimônio cultural de muita importância, realizado por um artista cuja trajetória orgulha as artes plásticas de Pernambuco e do Brasil”, acentua Lontra.
NARRATIVA POÉTICA
A coleção inclui dez painéis, pinturas individuais, dípticos e trípticos, e mais 100 litografias que permitem que o observador entenda melhor a trajetória poética sugerida por Câmara. “A persistência das gravuras, especialmente, permite que a pessoa acompanhe a história, entre e saia na exposição no período que achar mais interessante ou pelos temas mais interessantes. Tanto os painéis quanto as litografias, fizeram a minha infância geracional”, diz o pintor.
Cenas da Vida Brasileira foi elaborada quando o artista paraibano já morava em Olinda. A estréia foi em grande estilo, em 1974, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com a presença da polícia do vernissage. “Pintar o social não era adequado na época”, lembra Marcos Lontra. “E a série de Câmara é justamente uma revisão poética da história brasileira”.
A coleção que será apresentada no Recife, na íntegra, pela primeira vez, foi vista em São Paulo, na primeira Bienal do Mercosul (Porto ALegre, ano passado) e no exterior (Dinamarca, Noruega, Alemanha). “Descobriram que esta foi a exposição que mais gerou textos críticos e de reportagem entre os anos 70 e 80. Isso é muito interessante”, analisa Câmara, sem esconder o orgulho.
SERVIÇO
Cenas da Vida Brasileira, pinturas e litografias de João Câmara, e Viagem a São Saruê, xilogravuras populares do Nordeste. Em exposição no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (rua da Aurora – Boa Vista). Visitação de terça a domingo, das 12h às 18h, até 12 de março.
O resgate dos gravadores
Um contato direto com a arte popular que encanta o país pela criatividade e possibilidade de revelar o imaginário do povo nordestino. Assim é Viagem a São Saruê, exposição que será aberta simultaneamente com Cenas da Vida Brasileira. Em exibição no andar térreo do museu, cerca de 60 trabalhos de cinco gravadores populares (pernambucanos e cearenses), selecionados entre os de maior prestígio na arte da gravação em madeira.
As obras pertencem ao acervo da Fundação Casa das Crianças de Olinda, organização não-governamental criada pelo artista plástico e colecionador Giuseppe Baccaro, que mantinha em funcionamento museu, biblioteca e oficina de gravura para crianças e adolescentes.
A partir desta mostra, esta parte do acervo e muitas outras preciosidades arregimentadas por Baccaro em anos de caça à boa arte, serão catalogadas e sistematizadas pelo MAMAM. “Vamos ordenar a coleção Baccaro e, na medida do possível, exibir ao público”, justifica Marcos Lontra.
Entre as gravuras, há criações do mestre Noza, um dos pioneiros da técnica no Nordeste, com trabalhos datados da década de 50, especialmente para os folhetos de cordel. Ele nasceu na vila de Pacaratinga (PE) e já é falecido. E ainda, trabalhos de Walfredo Gonçalves, artista de Juazeiro do Norte (CE) que compôs um repertório bem diferente do que é visto nos cordéis, incluindo temas bíblicos; fábulas de J. Borges, que além de xilogravador assinava a autoria das poesias populares; o receituário ilustrado de Amaro Francisco, irmão de J. Borges, que criou gravuras com receitas de remédios populares associadas; e as curiosas feiras vistas nas peças de Costa Leite, gravador que mora em Condado (PE).
“Estarão no espaço também matrizes maravilhosas em madeira, pedaços de pau que chamam tacos, geralmente feitos de imburana. Além das gravuras, os cordéis estarão fazendo parte da mostra, claro”, adianta o curador das xilogravuras, Ramires Teixeira. O visitante que quiser levar uma lembrança da exposição para casa poderá adquirir camiseta ou catálogo da Viagem a São Saruê.
Fonte | Diario de Pernambuco – 11/fev/1998 |