Muito mais que 15 minutos de fama
É fácil encontrar o artista plástico Romero Britto,
34, pelas ruas de Miami. Não fisicamente, pois ele
vara a madrugada pintando em seu ateliê na Britto
Central, galeria de 3 mil metros quadrados na
Lincoln Road. Mas indiretamente, através de suas
telas e murais. Os americanos (Arnold
Schwarzenegger, Whitney Houston, Michael Jordan,
Ted Kennedy, Madonna, Sylvester Stalonne, Mike
Tyson e Bill Clinton, dentre eles) o adoram,
compram suas peças. Os brasileiros mal o
conheciam, mas desde terça-feira, quando realizou
sua primeira exposição de peso no país onde
nasceu (Museu de Belas Artes, do Rio de Janeiro,
até 6 de setembro), já sabem de quem se trata: um
pernambucano de classe média (autodidata,
estudou no Marista e na Unicap) que foi tentar a
vida nos Estados Unidos, há 12 anos, e já faturou,
só no ramo publicitário, U$ 1 milhão, fora os US$
500 mil que embolsou no contrato com a
Pepsi-Cola (desenhos estampados em 150 milhões
de latinhas, em vários países) e alguma soma
trilionária que o fez assinar contrato com a Walt
Disney (releituras do Mickey) e com a série de
televisão Melrose Place. Romero, que conta cerca
de 5 mil obras na carreira, mostra 18 delas aqui no
Recife, precisamente na galeria La Lampe (Rua
Professor José Brandão, 410, Boa Viagem), a partir
de amanhã (19h30) e até o dia 22. Hoje estará num
vernissage da Galeria São Paulo, a segunda etapa
da turnê. Depois do Rio, São Paulo e Recife,
seguirá para Curitiba, dia 15. O repórter João Luiz
Vieira entrevistou Romero Britto, por telefone, do
Rio de Janeiro.
Jornal do Commercio – Você mora em Miami
(South Miami) há 12 anos e já fala português
com acento norte-americano. São poucos os
contatos com o Brasil hoje em dia?
Romero Britto – Você acha? Meu sotaque é
nordestino. (risos) Acho que é porque estou sempre
pintando, de boca fechada. E também porque as
pessoas com quem lido falam sempre em inglês.
Mas eu adoro português e quero voltar mais vezes
ao Brasil. Sinto até uma certa vergonha quando
falam sobre esse meu sotaque.
JC – Nunca é demais repetir sua trajetória.
Como foi morar nos Estados Unidos?
Romero – Já passei um tempo na Europa também.
Voltei para o Recife e tentei recuperar meu curso de
Direito na Unicap. Queria o Itamaraty, ser
diplomata. Sempre quis morar no exterior, gosto da
possibilidade de entrar em contato com outros
costumes. (pausa) Direito não era suficiente. Não
poderia competir com filhos de deputados e
senadores. Vi que não seria viável para mim. Tentei
sair, então, com minha arte. Soube que um amigo
de infância estava indo estudar na Flórida e decidi
visitá-lo. Descobri que os Estados Unidos tinham
muito mais a ver comigo que a Europa. É a mesma
dinâmica, a mesma velocidade.
JC – Explique melhor isso.
Romero – Nos Estados Unidos tudo acontece
muito rápido. Além disso, há melhor infraestrutura
para se trabalhar. Sem falar que Miami, em
especial, lembra muito o Recife. É perto do mar,
tem muitas pontes, coqueiros. Sinto-me em casa
naquela cidade. Mas adoro o Brasil, o Rio de
Janeiro, o Nordeste.
JC – E como Miami descobriu você?
Romero – Meu primeiro estúdio foi em Coconut
Grove, depois de seis anos em Miami. O primeiro
projeto foi criar a marca da Absolut Vodca (sueca).
A diretoria já havia contratado Andy Warhol para
fazer o mesmo e deu super certo. Tiveram, então, a
idéia de contratar um artista desconhecido. De
repente meu trabalho foi estampado em mais de 60
revistas americanas. Milhões de pessoas o viram,
instantânea e continuadamente. Foi daí que
conheci Ann Miller, que, hoje, é minha
representante no mundo inteiro. Juntos
conseguimos desenvolver projetos para a Pepsi
Cola (Estados Unidos), Movado (Suíça) e Nissan
(Japão), das mais conhecidas, e diversas outras
corporações do mundo esportivo e artístico.
JC – Só agora o Brasil está prestando atenção
ao seu trabalho. Alguma mágoa ou era a tal da
hora certa?
Romero – Algumas pessoas já o conheciam. Os
maiores colecionadores de obras minhas no Brasil,
inclusive, são nordestinos: o casal Carlos e Virgínia
Lira, a filha deles, Elizabeth, e o marido dela,
Fernando. Não reclamo do tempo. Tudo tem sua
hora, o momento exato para acontecer. Precisava
amadurecer e receber um convite. Como o da
diretora do Museu Nacional de Belas Artes, do Rio,
que achou interessante exibir a minha obra (o
vernissage foi na terça-feira) no mesmo museu onde
ficaram trabalhos de Dalí, Rodin e Botero, e de
Regina Boni, da Galeria São Paulo, uma das mais
prestigiadas do Brasil. Não tenho mágoas.
JC – O que você trouxe na mala?
Romero – São 50 trabalhos. Há telas, esculturas,
gravuras e pequenos objetos.
JC – Estarão à venda? Quanto custa?
Romero – Só estão à venda na Galeria São Paulo.
Tenho telas que custam de U$ 8 mil a U$ 75 mil.
Por outro lado, vendo cartões postais a U$ 2,
gravuras, posters, relógios, bolsas e sapatos com
preços bem mais acessíveis.
JC – Acredita que o que faz será tão
bem-recebido no Brasil quanto em Miami?
Romero – Não acredito que minha obra só
interesse aos americanos. Tudo poderia ter
acontecido aqui também. Mesmo morando nos
Estados Unidos, vendi muitas telas para europeus
da Suíça, Bélgica, Alemanha.
JC – Em que (quem) você se inspira para
pintar?
Romero – É tudo muito espontâneo. Gosto muito
de histórias em quadrinhos. Mas,
fundamentalmente, acho que minha obra tem algo
de positivo e de feliz que encanta as pessoas.
Sobre artistas que admiro poderia citar Francisco
Brennand, que acho grandioso e sempre me serviu
de inspiração. Foi marcante na minha vida. Admiro
também o Picasso, sua vida, seus trabalhos.
JC – Não vai citar Andy Warhol, o papa da pop
art, influência mais evidente?
Romero – (rindo) Sigo a idéia de abrir portas para
as artes plásticas, para o grande público. Ele e o
Keith Haring são muito importantes nesse sentido.
Em geral as pessoas acreditam que uma obra de
arte é inacessível, fica presa a museus.
JC – Daí a idéia dos pequenos objetos?
Romero – Exatamente. Quero que minha arte seja
acessível, tanto quanto um bom CD é. A arte é uma
forma de alimentação e é preciso levá-la para
grandes platéias.
JC – Em quanto sua fortuna está calculada?
Romero – Prefiro não falar sobre isso. Sou um
artista, gosto de comentar sobre arte. A parte
financeira é consequência. Posso dizer que minha
vida mudou bastante.
Avatar da alegria futura
por FERNANDO MONTEIRO*
Romero Britto é um fenômeno de afirmação no
campo artístico internacional, cuja força talvez
ainda não tenha sido devidamente avaliada – no
Brasil, pelo menos. Pernambucano do Recife, de
família pobre, sua ascenção meteórica num setor
disputadíssimo, supreende – “choca” – e incomoda.
Por quê? Primeiro, porque o sucesso de Romero se
irradia dos Estados Unidos – e, pior, de Miami. Isso
é duplamente imperdoável. O terminal EUA põe a
carreira entre as estrelas, com a pompa pop
cercando Romero de brilhos, sinais alegres de
otimismo, bom-humor e sucesso.
Segundo, estamos num país onde fazer sucesso é
perigoso – e muitos forçarão para que Romero
continue um “artista de Miami”, embora tenha
conquistado a FIAC, de Paris, e Vancouver
Tal preconceito – como toda rejeição baseada num
pré-julgamento – ignora o conteúdo essencial
daquilo que pretende rejeitar e, no final, como todo
prejuízo típico dos preconceitos, mais encurta a
compreenção – como generosidade da mente.
Romero é bom? Claro que é. Ele fala com sotaque
americano? Sim. Isso importa tanto? Não. Britto
alonga o braço pop da arte conteporânea? Sem
dúvida. Seu auto-denominado new cubism pop é
uma releitura de Warhol, Haring e – pausa –
Brennand (que não é pop, claro – pelo menos por
enquanto)? Eu diria que sim.
Romero Britto levou para o meio da estética saída
dos comics o traço pesado (de contorno) do nosso
mestre da Várzea – é o próprio Britto quem
confessa a influência e a admiração.
Como uma onda no mar – contra essa maré – é que
se erguem os rios de cor tropical desse “artista de
Miami” cumprindo sua cerimônia sanfranciscana de
alegria – ao espalhar o arco-íris como se houvesse
escutado cânticos brados na Lincoln Road.
Ora, não exijam de Romero, que ele seja triste –
porque não o inquieta a angústia que ele (sem
culpa) não sente. E não se impeçam de admirar
sua capacidade de crença, esperança e otimismo
de um mundo não-cizento – para ele.
Romero vê as coisas pelo lado bom – e talvez
pretenda anunciar uma boa nova da cor. Diria
mesmo que ele pode estar agindo como um avatar
da alegria, futura, antecipada em tempos de dor. Já
é muito para um recifense que o mundo inteiro
começa a admirar – francamente.
*Fernando Monteiro é escritor e crítico de arte
Uns são artistas, outros não
por RAUL CÓRDULA*
Uns são artistas, outros não é o título de um
instigante livro-de-artista de autoria de Antonio Dias,
artista brasileiro que vive há décadas na Europa,
onde impressiona o meio culto da arte. O livro tem
poucas palavras e muitas imagens, ele se refere à
abordagem mercadológica que se contrapõe à sua
abordagem crítica, culta e autêntica. Deixa claro
que o mercado compra prestígio, não arte, compra
objeto de decoração, não signo de conhecimento.
Temos escrito que o artista, ao se libertar das
amarras que o poder historicamente lhe impõe,
tornando-o um porta voz de sua ideologia ou um
apêndice da sociedade rica, libertou-se também do
olhar burro, que o queria pintando (representando)
apenas os seus desejos. Mas o artista,
libertando-se, liberta também o olhar da sociedade
como um todo, ricos e pobres, liberta sua cultura
para seguir seu caminho sem obstáculos.
Para o mercado, que prefere o lucro ao almejado
sentido da arte, não interessa o artista livre,
interessa o artista que continue sendo um tradutor
de idéias alheias e um instrumento a mais para
otimizar o ritual de acumulação de bens que
gratifica o capitalismo.
O pintor Romero Brito é um fenômeno
mercadológico. Exímio artesão da pintura, seu meio
de expressão é uma dádiva para quem detém o
poder e necessita comunicar à massa
consumidora, os símbolos desse poder.
Perguntados, aonde está, além do grande pintor
que ele é, o tão anunciado artista?
* Raul Córdula é artista plástico e curador de arte