Leusa Santos*
Sabe como é, vida de comerciante é fogo! Nunca tem sossego. É como diz aquele ditado: “Quando o dono dos bois não está por perto, o gado não engorda”. Assim mesmo é a vida de Aristides. Dono de uma mercearia, sempre trabalhou nela. Nunca teve outro emprego. Herdou o negócio de seu pai, que, por sua vez, herdou do pai dele e assim foi sucessivamente nas gerações da família de Aristides. A mercearia, digamos, ocupa 90% do tempo dele. Chega lá cedinho, às cinco da manhã. Arruma as mercadorias junto com os dois empregados e às sete abre o estabelecimento. O movimento é grande. Vai muita gente lá e a clientela é fiel. O dinheiro entra fácil, mesmo em épocas em que o país está em crise. Afinal, todo mundo tem que comer todo dia, não é? Nem para almoçar Aristides sai do local. Um empregado da sua casa vai levar o almoço. Aristides come no escritório, uma salinha nos fundos da mercearia, que tem uma mesa, uma cadeira e um ventilador de teto que só funciona dando um “impulsozinho” manual. Só às nove da noite é que ele fecha a mercearia, depois de conferir o caixa e o livro de entrada e saída. Aristides é comerciante das antigas. Vai para casa, toma banho, janta, deita e dorme. Fazer amor, só aos sábados à noite e nas vésperas de feriado. Não precisa se acordar cedo no outro dia. É assim há 20 anos, desde que se casou com Carminda e teve que assumir o negócio do pai, que falecera. E não pensem vocês que Carminda engole essa rotina calada. Vez por outra, o casal tem um arranca-rabo: -Você tem sorte de eu ser fiel! Mulher nenhuma agüenta essa mesmice! – Sempre diz Carminda, ao passo que Aristides retruca com um discurso: – Faça isso e você não vai ver nenhum centavo do meu dinheiro. Já não basta o duro que eu dou na mercearia para você ter tudo do bom e do melhor? Todo ano eu troco seu carro, comemos bem, vivemos nesse bairro de classe alta, longe da periferia, onde eu trabalho e de onde eu tiro o seu luxo! – Sempre Aristides profere essa ladainha quando é cobrado pela esposa. Certa tarde, entra na mercearia uma loura linda, alta, corpuda, carnuda e bocuda. Aristides ficou impressionado: – O que a senhora deseja? – Agora já encontrei! – Disse a loura. E numa cantada atrás da outra acabaram marcando um encontro. Aristides nem estava acreditando. Uma semana depois, já eram amantes. Aristides, de cabeça virada, chegou para a esposa e falou de um supetão só: ‘Estou apaixonado por outra’. Arrumou a mala, foi embora e fez questão de “compensar”: ‘Nada vai lhe faltar. Vou dobrar sua mesada e você fica com a casa. Meu advogado vai lhe procurar. Vou passar pro seu nome”. Nesse mesmo dia, à noite, Carminda telefona: – Alô? – Oi! Não posso falar muito. Ele está no banheiro! – Disse a loura. – Deu tudo certo! – Festejou Carminda. – E a outra metade do pagamento, quando é que sai? – Perguntou a loura. – Quando ele passar a casa pro meu nome. Até lá, você espera. – Olha lá hein? Estou esperando! – Fica tranqüila! Eu também estou esperando para poder desfilar por aí com o seu irmão!
*Leusa Santos é jornalista, chefe de reportagem da Folha de Pernambuco