Pétalas de rosas
Finalmente chegara a hora de retornar. Essa volta ao Brasil não era exatamente o que Alice queria mas não podia estar ausente ao casamento de Helena. Bem verdade que misturada a esse receio de voltar estava uma saudade tremenda de sua amiga de infância. Alice estava fazendo um trabalho fotográfico na Índia quando chegou o convite. Apenas um mês antes da cerimônia, ela regressou ao seu apartamento em Londres. Num primeiro instante, pensou em não comparecer, mas Helena não tinha nada a ver com o problema que a afastou do Brasil. Alice resolveu viajar num luxuoso transatlântico. Uma viagem de navio sempre foi um de seus desejos e serviria para que ela pudesse pensar e se preparar para o reencontro com aquelas pessoas de seu passado. Após uma rápida exploração do navio, Alice decidiu descansar na cabine. Já tinha anoitecido quando ela dirigiu-se ao restaurante. Várias pessoas estavam ali àquela hora mas Alice jantou sozinha. A noite estava linda e ela decidiu passear pelo convés. Aquele mar que ela estava admirando, transmitia-lhe uma serenidade que ela precisava para acostumar-se com a idéia da volta depois de tanto tempo. Deixou-se ficar ali, pensando em Ricardo e em sua mãe. A relação das duas nunca fora muito boa, principalmente, depois da morte do pai de Alice. Ricardo surgiu como uma salvação para ela. Pelo menos, antes daquele horrível acontecimento. Ao voltar-se para se recolher à cabine, um objeto caiu a sua frente. Ela ajoelhou-se e apanhou uma fotografia. Enorme foi seu espanto ao notar que era um retrato seu no restaurante. Alice levantou-se, olhou para cima e ao seu redor. Não havia ninguém. Ela ficou intrigada e esperou alguns minutos pela aparição do misterioso fotógrafo. Nada, nenhuma pista. O dia seguinte, Alice dedicou a uma discreta investigação, observando as pessoas a fim de descobrir o autor daquilo que ela julgava ser uma brincadeira. Tudo em vão. Ela resolveu fazer uma última tentativa. Após o jantar foi andar pelo convés novamente. Quase no mesmo lugar da noite anterior, outra fotografia caiu aos seus pés. Ela abaixou-se e sorriu ao constatar que era outra foto sua, tirada naquele mesmo dia. Quando se levantou, uma chuva de pétalas de rosas vermelhas desabou sobre ela. Alice olhou para cima e viu um homem no alto de uma escada. Num primeiro momento, ela não conseguiu ver bem o seu rosto por causa das luzes que haviam atrás de suas costas. Ele começou a descer a escada e Alice pôde enxergá-lo melhor. Ele tinha a pele bastante branca, cabelo liso caindo nos olhos, que eram de um azul muito profundo. Alice ficou deslumbrada com o seu misterioso admirador e não teve reação alguma, ficou apenas olhando para ele. Ele aproximou-se. Trazia nas mãos uma garrafa de champanhe e uma rosa vermelha. Ele olhou para Alice com aqueles belos olhos e começou a acariciar o rosto dela com a rosa. Alice sentia seu corpo se arrepiar a cada toque macio daquelas pétalas. Ele passou a rosa pelos lábios dela e o toque suave foi como um doce beijo. Ele entregou-lhe a rosa, tirou duas taças que estavam nos bolsos de seu casaco e abriu o champanhe. – Gostaria de brindar a sua extrema beleza. – Quem é você? – Carlos, seu encantado admirador. Ele encheu as taças e entregou uma a Alice. – Por favor, permita-me brindar a sua beleza que me arrebatou o coração. Você é suave, bela e tem um ar selvagem, como esta rosa que lhe entreguei. Alice estava tão atordoada que não conseguiu falar nada. Apenas provou o champanhe e continuou a olhar Carlos. Os traços suaves, o olhar profundo, o luar em seu rosto, a fina taça que ele encostava à boca vermelha, formavam um lindo cenário. Por um instante, Alice teve a impressão de que brindava com um anjo. Ficaram em silêncio durante um bom tempo, apenas trocando olhares, até que Alice ficou pouco à vontade com a extraordinária situação. – Já é tarde. Preciso ir. – Fique! Você não quer ir. – Talvez não queira, mas preciso. Boa noite! Ela virou as costas e não tornou a olhar mesmo quando dos lábios dele saiu o mais suave e sedutor boa noite que ela já ouvira. Ao acordar, Alice logo sentiu um delicioso aroma de rosas. Junto à porta, no chão, havia uma outra foto sua, dormindo, em meio a varias pétalas de rosas. Alice não viu Carlos durante todo o dia. Como das outras vezes ela foi passear pelo convés, na esperança de encontrá-lo. Porém, ele não estava lá. Ela ainda deu voltas pelo navio mas não o encontrou. Bastante desapontada, decidiu encerrar seu dia. Ao chegar à cabine teve uma enorme surpresa. Carlos estava encostado à porta com uma rosa entre os lábios. Nas mãos, uma garrafa de champanhe. Ela abriu a porta da cabine e se surpreendeu com o cenário que fora montado. Várias pétalas de rosas formavam um tapete vivo que ia até a cama, também coberta de pétalas. A cabine também estava repleta de velas, que completavam o clima romântico. Carlos colocou o champanhe dentro de um balde de gelo que estava em cima de uma mesa. Tirou a rosa dos lábios e colocou em uma das mãos de Alice. Ele a despiu peça por peça. Alice sentiu o beijo doce daqueles lábios macios, ao mesmo tempo em que a rosa escapava de seus dedos. Ele a deitou por cima das pétalas. Pegou a garrafa e começou a derramar o champanhe. O contraste entre o toque gélido do líquido e o quente da língua de Carlos aumentava a excitação dela. Ele ia devorando Alice e a cada toque o corpo dela se retesava alucinadamente. Ele parou, ficou em pé e começou a tirar a roupa. Deitou sobre ela e se apoderou de seu corpo completamente. Amaram-se a noite inteira. Ao acordar, Alice notou que a cabine estava inteiramente limpa, nem sinal das velas, das pétalas e do champanhe, nem mesmo das fotografias que Carlos tinha lhe dado. Ela o procurou durante todo o dia mas não o encontrou. À noite, esperava encontrá-lo, como das outras vezes, mas se enganou. Já havia dois dias que ela o procurava. Um absurdo, estavam num navio. Enorme foi seu espanto ao descobrir que não havia registro de alguém com esse nome a bordo. O resto da viagem não foi muito agradável. Tudo aquilo tinha sido imaginação? Ao chegar, Alice foi direto para o hotel, ainda meio confusa. Ela tentou falar com Helena mas a única coisa que conseguiu foi saber que haveria um festa na casa da moça naquele mesmo dia. A casa de Helena sempre fora deslumbrante e não tinha mudado muito desde a última vez que Alice estivera lá. Ao entrar, ela logo reconheceu várias pessoas que não via há anos, mas nenhum sinal da anfitriã. Ao aproximar-se do bar, Alice ouviu sussurrarem seu nome. Quando virou-se, ela sentiu-se voltar no tempo àquele terrível dia em que ela tinha surpreendido seu noivo na cama com sua mãe. Isso era seu segredo e sua ferida. Alice odiou os dois por aquela traição e não tornou a vê-los. Aquele casal em sua frente nem de longe lembrava os belos amantes de outrora, tinham envelhecido bastante naqueles anos. – Há quanto tempo, Alice. – Eu gostaria que tivesse sido muito mais tempo, Teresa. – Você está linda. Alice olhou para Ricardo e não conseguiu dizer uma palavra. Nos olhos de ambos transpareceu uma profunda tristeza pela fatalidade que destruiu aquele amor. Ninguém falou nada. Houve um silêncio constrangedor que nenhum dos três ousou interromper. Em cada íntimo, aflorava a mágoa em que se tinha transformado aquelas vidas. – Alice! Não acredito que está aqui. Estou tão feliz por você ter vindo. Venha! Quero apresentar-lhe meu noivo. Helena saiu arrastando-a pelo salão e Alice sentiu-se aliviada por se afastar daquele casal tão infeliz. – Alice, quero que conheça meu noivo. Alice não conseguiu prestar atenção nas palavras de Helena tal foi seu espanto ao reconhecer Carlos diante de si. – É um prazer conhecer tão grande amiga de minha noiva. Helena falou-me muito sobre você. Alice empalideceu e não conseguia falar ou ouvir direito o que falavam. – Alice, você está se sentindo bem? Ela olhou para Helena e ficou horrorizada ao constatar que tinha feito sexo com o noivo de sua melhor amiga. Outra vez, se viu envolvida numa traição assombrosa. – Não me sinto muito bem, realmente. Desculpe-me, Helena, mas acho melhor eu ir. – Está bem. Não se preocupe. Por favor, venha almoçar comigo amanhã. Estou tão feliz por vê-la novamente. Alice não conseguia dormir. Não parava de pensar no absurdo daquela situação. Também não conseguia esquecer Ricardo. Eles amavam-se tanto e ele destruiu tudo se envolvendo com Teresa. Bateram na porta, Alice assustou-se. Abriu a porta e deu de cara com Carlos. – O que faz aqui? – A festa já acabou. Precisava vê-la. – Você é noivo de minha melhor amiga. Por favor, já é suficiente o que houve. Não quero errar de novo. – Não é um erro, Alice. Eu não consigo parar de pensar em você. Alice já estava envolvida demais para poder resistir. Carlos era tão sedutor. Dessa vez não havia velas, rosas ou champanhe, apenas os dois. Ele a agarrou e a beijou delicadamente. Virou-a de costas e a encostou na parede. Tirou a roupa dela devagar, deixando-a completamente nua. Ele beijou as costas dela e se ajoelhou. Alice sentiu outra vez aquele toque quente da língua de Carlos em seu sexo. Ele lambia tudo, devorava tudo. Alice não conseguia conter seu corpo que se retorcia em espasmos de prazer. Até que não agüentou mais e gozou na boca dele. Carlos levantou e se despiu. Ele suspendeu os braços de Alice e ficou prendendo-os na parede, com força. Penetrou Alice por trás, com uma certa violência. Ele ia penetrando-a cada vez com mais força, chegando a machucá-la um pouco. Ele, de repente, parou e jogou Alice no chão. Ela ainda tentou brigar com ele mas não adiantou, novamente ele a prendeu e começou a penetrá-la com a mesma violência de antes. Alice ficou resistindo nos primeiros momentos mas depois deixou-se relaxar. Aquela situação de domínio e a dor em seu corpo, acabaram estimulando sua excitação. E ela passou outra noite com o noivo de sua amiga. Alice acordou na manhã seguinte com o corpo bastante dolorido. Ela não estava bem, sentia-se envergonhada por ter feito sexo com o noivo de Helena novamente. Dessa vez, o erro tinha sido mais grave, havia a consciência de saberem quem eram. Mas ela não conseguiu resistir aos encantos de Carlos e sabia que se houvesse oportunidade, faria tudo novamente. O sexo com ele tinha sido muito diferente dessa vez. Não havia nada do romantismo da outra noite no navio. Carlos tinha sido meio bruto e a tinha tratado com violência, chegando a machucá-la. Com ele, Alice provou duas formas de sexo e tinha adorado. Não conseguia tirá-lo da cabeça. Mas Carlos não era seu. Ela tinha sofrido muito com traição no passado e não era justo fazer isso com Helena. Alice resolveu contar tudo para sua amiga, mesmo que aquilo fosse trazer mais mágoa e sofrimento para sua vida. Infelizmente, ela não conseguiu manter sua convicção. Helena passou o tempo inteiro falando sobre Carlos e Alice pôde sentir o quanto a amiga o amava. Aquela revelação, sem dúvida, iria magoá-la demais. Helena sempre fora quase uma irmã sua e Alice não tinha coragem de feri-la desse jeito. Saiu da casa de Helena pior do que chegara. Ela, praticamente, não conseguiu encarar sua amiga, sentia-se bastante culpada. Resolveu dar uma volta pelo parque que havia perto do hotel para pensar melhor no que fazer. Alice deitou-se no chão, à beira de um lago, e fechou os olhos por alguns instantes. Quando tornou a abri-los, várias pétalas de rosas caíram sobre ela. Alice levantou-se assustada e viu Carlos. – Assustada? – O que quer comigo? Já não basta o que houve? – Não está interessada em saber o porquê disso tudo? – Do que está falando? – Ricardo e eu somos amigos de infância. – O que Ricardo tem a ver com isso? – Tudo. Eu sou testemunha do quanto ele amou você e ama ainda. E também vi o inferno em que você transformou a vida dele. – Eu transformei? Ele traiu-me com minha própria mãe. Eu odiei os dois naquela época e os odeio agora. Eles destruíram minha vida. – Ricardo está morto desde o dia em que você foi embora. Seu orgulho conseguiu ser maior que o amor que vocês sentiam. Eu queria que você sentisse o erro dele. Sentisse na pele a mágoa de trair e perder alguém que tanto se ama. Eu me vinguei por ele. – Foi tudo premeditado? – Exatamente. Há muito tempo. Cada mínimo detalhe planejado. Cada parte de sua personalidade e de seu corpo estudadas Agora a decisão é sua. – O que quer dizer? – Eu vou me casar com Helena. Você tem que decidir se vai consentir com o casamento e permitir que ela seja feliz ou se vai destruir a vida dela também. Alice sentiu a verdade daquelas palavras. Isso iria destruir a felicidade de Helena e ocasionar o fim da amizade que ela tanto apreciava. Carlos aproximou-se dela e Alice não pôde resistir a sentir aqueles lábios novamente. Ele colocou uma rosa vermelha em sua mão. Mas essa rosa tinha espinhos e Alice deu um gemido quando uma espetou seu dedo. – As rosas são minhas flores prediletas. Elas possuem encanto e horror. Assim, eu fui com você, minha querida. Eu te envolvi com meus encantos e te feri com meus espinhos. O doce gosto do beijo ainda em sua boca tornou-se incrivelmente amargo. Ela olhou para Carlos e não conseguiu dizer mais nada. Aproximou-se do lago e arremessou, com raiva, aquela maldita rosa na água, como se tentasse afogar todo aquele pesadelo. Ela virou as costas e não tornou a olhar para Carlos quando passou perto dele. Nunca mais tornou a vê-lo novamente. Alice nunca foi capaz de revelar aquela fantástica história a alguém e Helena não tornou a ver sua amiga tão amada. Nem mesmo no casamento.