Eles levam a vida na ponta dos dedos
por JANAÍNA LIMA
“Luiz, respeita os oito baixos do seu pai”, O último verso da canção Forró do Januário, de Luiz Gonzaga, mostra um pouco a tradição da sanfona na herança histórico-cultural nordestina. Instrumento essencial na composição do estilo conhecido como forró pé-de-serra, a sanfona, juntamente com o triângulo e a zabumba, é, ou já foi, instrumento de trabalho para muita gente. O mais importante desses profissionais é sem dúvida Luiz Gonzaga. Filho ilustre de Exu, cidade do sertão pernambucano, Gonzagão divulgou a música nordestina em todo mundo e deixou um legado de dezenas de músicas que se tornaram clássicos da MPB.
Não é preciso pensar muito para lembrar de: Légua Tirana, Assum Preto, Sabiá, Paulo Afonso, Vida de Viajante, Xote das Meninas, Baião, entre outras. Gonzagão partiu, mas deixou muitas sementes por aqui. O Forró Especial do JC foi atrás desses seguidores de Seu Lua e conta hoje a história de quatro sanfoneiros pernambucanos: Dominguinhos, Camarão, Arlindo dos Oito Baixos e Diego.
Considerado o herdeiro direto de Gonzagão, Dominguinhos começou a tocar sanfona com apenas oito anos de idade. “Meu pai era afinador de sanfonas e meu irmão já tocava. Comecei nos oito baixos do meu pai, e só aos 11 anos passei para a de 48 baixos”, relembra Dominguinhos. Outro momento inesquecível nos 38 anos de carreira do músico, é o primeiro encontro com Gonzagão. “Estávamos eu e meu irmão tocando em frente ao Hotel Tavares Correia, em Garanhuns. Gonzaga estava jantando e nos levaram para conhecê-lo. Nunca tinha ouvido falar em Luiz Gonzaga e fiquei admirado quando ele nos deu um bolo de dinheiro”, conta Domingos, que alguns anos depois, aos 16 anos, passou a participar dos discos do sanfoneiro.
Quem também teve um encontro decisivo com Luiz Gonzaga foi Arlindo dos Oito Baixos. Natural de Sirinhaém, zona da mata pernambucana, Arlindo descobriu o instrumento aos dez anos, quando ainda auxiliava o pai na lida da cana. “Comecei nos oito baixos, mas logo passei para a sanfona grande. Só depois, por um pedido de Gonzaga é que voltei para a de oito baixos. Ele disse que poucas pessoas tocam esse tipo, então eu podia me destacar”, diz Arlindo.
Dentre as lembranças do Rei do Baião, Arlindo destaca o temperamento impulsivo como uma de suas marcas. “Num show no Teatro Pixinguinha, em São Paulo, ele parou o show de repente, pegou minha sanfona e botou no chão. Depois, me pediu a flanelinha e enxugou a testa dizendo: “Tem muito artista que não enxuga o suor no palco, eu enxugo porque sou Luiz Gonzaga”. A platéia morreu de rir”, afirma.
Já o músico Camarão toca sanfona há quase 50 anos. Mais uma vez, os oito baixos foram a primeira lição do sanfoneiro. “Apenas com 18 anos é que comecei na sanfona de teclas, mas desde os cinco já tocava”, explica ele. Atualmente, Camarão dá aulas para quem se interessa em aprender a sorfejar. “Prefiro utilizar músicas de Gonzaga para as lições dos alunos, pois ele usava as duas mãos muito bem, o que não é fácil. Suas músicas são ideais para quem está aprendendo”, observa o mestre. Há vários anos sem gravar, Camarão acaba de assinar os arranjos do CD Forró Verso e Viola e do primeiro disco da banda Quenga de Coco.
Da nova geração de tocadores de sanfona, vem se destacando Diego Reis, o sanfoneiro da Banda Quenga de Coco. “Meu pai é de Carpina e minha mãe de Caruaru, por isso cresci ouvindo forró lá em casa. Com 18 anos, veio a vontade de aprender a tocar e tive algumas aulas com Cecinho. Há dois anos criamos a banda e passei a tocar profissionalmente. Mas ainda tenho muito o que aprender”, declara Diego, que hoje é aluno de Camarão. Ele bem sabe que tem que respeitar os oito baixos do “pai”.