guia de arte que mapeia esculturas em edifícios do Recife

Tesouros escondidos

Pesquisadores lançam guia de arte que mapeia esculturas em edifícios do Recife

Mariza Pontes
Da equipe do DIÁRIO


Os Pássaros de José Cláudio, na Avenida Boa Viagem, a maior vitrine de arte de Pernambuco

Por trás dos muros altos e guaritas dos edifícios de luxo
do Recife, escondem-se verdadeiros tesouros artísticos,
aos quais apenas os moradores têm acesso. Eles foram
instalados em obediência à Lei Municipal nº 4.239, do
escultor Abelardo da Hora (secretário de Educação da
Prefeitura do Recife de 1958 a 1960). A lei manda que
toda obra com mais de mil metros quadrados de área
construída seja a fiel depositária de uma peça de arte,
seja pintura, escultura, painel ou outra.

O conjunto transforma o Recife na maior galeria de arte ao ar livre do mundo, apesar
de pouca gente poder apreciar as criações. Para divulgá-las e ajudar a preservar a
memória artística do Recife, o médico e poeta Saulo Gorenstein e o fotógrafo Vinícius
Lubambo estão preparando um guia poético-fotográfico, que traça um roteiro para
localização de 93 desses objetos de arte, embora existam muitos mais. O lançamento
está previsto para julho.

Se a maioria das peças está longe dos olhos do público, por alegadas questões de
segurança, isso não implica que os moradores e síndicos conheçam seu valor.
Muitas não têm qualquer identificação, como nome do artista, título, material utilizado
e data da criação. E apesar de valorizarem as construções, ajudando a aumentar o
preço, algumas estão praticamente abandonadas, com visíveis prejuízos à sua
conservação, enquanto outras foram alteradas sem consulta aos artistas.

É o caso das obras Figura de Mulher, do próprio Abelardo da Hora, em concreto, que
foi pintada em resina verde (Edifício Arraial da Casa Forte, em Casa Forte), Hélice, de
Isnaldo Reis, também em concreto, que foi pintada de vermelho (Edifício Ilha de
Kalimos, na avenida Rosa e Silva), e Mulher Ajoelhada, em concreto, pintada com
esmalte branco (Ed. Conselheiro Rosa e Silva, nos Aflitos).

O projeto

O projeto do livro, orçado em mais de R$ 108 mil, está sendo bancado por cinco
empresas graças à Lei de Incentivo a Cultura, e doações de amigos. A obra, em papel
Couchê Fosco 40, capa dura com aquarela de André Pesci, 97 policromias,
contracapa com uma escultura de José Cláudio, proteção de plástico transparente e
tiragem de 2.200 exemplares, envolveu uma grande produção (a cargo de Janete
Cândido), incluindo consultoria bibliológica de Edson Nery da Fonseca, que atestou
seu enquadramento às normas internacionais de publicação. O prefácio é de
Francisco Brennand, apresentação dos médicos Cícero Ferreira Costa e José
Grimberg e projeto gráfico de Lia Madureira, Lednara de Castro e Daniela Silveira. A
revisão ficou a cargo de Nelly Carvalho, Rosanna e Andre Gorenstein, Leda Alves e
Luciene de Amorim. A impressão da capa/contracapa foi feita pela Burt, em São
Paulo e o miolo do livro no Recife, pela Flamar Editora.

Guia mapeia arte no Recife

O ensaio será lançado em julho e identifica esculturas por autor e
matéria-prima

O trabalho de Saulo Gorenstein e Vinícius Lubambo começou em 1995 e precisou
superar inúmeras dificuldades, desde o acesso às plantas de edifícios na prefeitura
até a recusa dos síndicos em permitir que as obras fossem fotografadas. Isso sem
contar a dificuldade de localizar os artistas para identificar as esculturas e até a
negação das construtoras na publicação das fotos.

Eles conseguiram selecionar 93 peças representativas, embora nem sempre Vinícius
tenha podido trabalhar em boas condições de luminosidade e ângulo, devido à
pressão dos síndicos, que chegavam a conceder apenas cinco minutos para fazer as
fotos. Até mesmo no Shopping Center Recife, que construiu um Parque das
Esculturas, o excesso de burocracia dificultou o trabalho e impediu que muitas peças
fossem nomeadas no livro. Para o fotógrafo, de 24 anos, o trabalho lhe fez valorizar
mais os aspectos culturais do Recife.

Entre os artistas de renome que projetaram obras para edifícios privados estão
Francisco Brennand, Jobson Figueiredo, Corbiniano Lins, Mariane Peretti, Cavani
Rosas e Abelardo da Hora. Mas ainda há várias peças anônimas. O livro traça um
mapa da concentração das obras, dá o endereço dos respectivos edifícios, título
original da peça e material utilizado. Quando não foi possível encontrar o autor, eles
renomearam os objetos com base em suas características, para facilitar a
identificação.

O registro é enriquecido com poemas, escritos em linguagem coloquial, em que Saulo
Gorenstein ora descreve a peça e homenageia o autor, ora se refere ao próprio
processo de elaboração do livro, fornecendo detalhes do trabalho. Um dos exemplos
é o poema Inusitado, que se refere a uma escultura anônima – chapa de aço soldada –
que o porteiro do edifício Josué Paiva, na avenida Flor de Santana, 283, Casa Forte,
chama de “Tuia de Lata”, nome com o qual a peça foi identificada no livro. Outro
poema refere-se a escultura Pássaro em Granito, de José Cláudio, instalada em 1996
em prédio de Boa Viagem. Diz o poeta: “…Para o escultor seria uma consagração, já
que teria atingido a perfeição. Escolhendo uma rocha boa, esculpiria um pássaro e
diria: voa”.

O escritor Saulo Gorenstein torce para que a obra estimule a divulgação e
preservação de outros aspectos do patrimônio histórico-cultural de Pernambuco, que
considera de valor inigualável. (M.P.)

Livro: Ensaio Poético e Fotográfico – Esculturas em Edifícios do Recife
Autores: Saulo Gorenstein (texto) e Vinícius Lubambo (fotos)
Editora: Burt, 167 páginas
Onde encontrar: Em julho, nas livrarias
Preço: R$ 60,00

Fonte Diário de Pernambuco 23/maio/98