JORNAL PERNAMBUCANOS IMORTAIS

por LEONARDO SPINELLI


Fotos: Acê filmes

O conjunto arquitetônico da Avenida Guararapes foi o cartão  postal da cidade do Recife entre as décadas de 40 e 70. Apesar  de ser originalmente pensada para resolver questões  urbanísticas, a partir do final da década de 1920, como o  trânsito e a organização comercial do Centro, a Guararapes  terminou por representar o Brasil do Estado Novo. Isso porque  suas obras foram concluídas em 1937, ano em que o presidente  Getúlio Vargas deu um golpe e implantou a ditadura do Estado  Novo. 

Técnicos e autoridades do setor de construção civil discutem  atualmente um assunto crucial para a revitalização do Centro  do Recife. Querem definir qual a melhor utilização para o  quase abandonado conjunto arquitetônico da Avenida Guararapes.  Apesar do desamparo, esse complexo imobiliário concluído em  1937 já teve sua importância até meados da década de 70. Era o  centro nervoso da atividade comercial do Recife. A avenida é  considerada também uma herança histórica do ‘Brasil grande’  pensado pelo então ditador Getúlio Vargas. Até mesmo seu nome  de batismo, Avenida 10 de Novembro, era uma referência ao  regime ditatorial. Foi naquele dia, em 1937, que Vargas  anunciou o Estado Novo.

Os prédios do Cinema Trianon e dos Correios funcionavam como  pórticos de um conjunto de edifícios com média de oito  andares, instalados onde antes ficavam pequenas edificações  coloniais. Àquela época, representavam tudo de mais retrógrado  na história de um País-República, que naquele momento desejava  ser grande. 

Antes de ficar pronta, a Avenida foi projetada para aliviar o  já caótico trânsito do centro da cidade para os veículos que  vinham do Bairro do Recife em direção à Boa Vista. No final da  década de 20, a única ligação entre esses bairros era pela Rua  Nova/Ponte da Boa Vista/Rua da Imperatriz. Do Bairro do  Recife, os veículos vinham pela Ponte Maurício de Nassau e  desviavam pela Pracinha da Independência para a Rua Nova.

Os primeiros projetos para tentar resolver essa questão foram  pensados por engenheiros como José Estelita e Domingos  Ferreira e arquitetos como Nestor de Figueiredo. Em 1930,  quando Lauro Borba assume a Prefeitura do Recife, começam os  preparativos para a obra, que se inicia, finalmente, em 1934,  sob a batuta de Nestor Figueiredo. No comando da Prefeitura,  já estava João Pereira Borges, que fez as desapropriações e  planejamento urbanístico que deveria ser respeitado pela  iniciativa privada, responsável pelas obras dos edifícios.

O primeiro prédio a ser erguido foi o Cinema Trianon. Como o  projeto não atraiu em 100% a iniciativa privada, a prefeitura  entrou em contato com o Governo Federal, que providenciou o  edifício dos Correios (do outro lado da avenida) e o prédio do  Instituto de Aposentadoria e Pensão. “A idéia era transformar  aquela área no centro de comércio e de serviços da cidade. O  Pensamento comum naquela época era de setorizar bairros  comerciais e residenciais”, explica o arquiteto do  Departamento de Preservação dos Sítios Históricos (DPSH) da  Prefeitura do Recife, Antônio Amaral.

Embaixo, funcionava lojas de comércio, como até hoje, e em  cima o espaço foi desenhado para escritórios, consultórios,  bancas. “Trata-se de um conjunto monumental”, avalia Antônio  Amaral. Sua característica imponente, apesar dos parcos 225  metros de extensão da Guararapes (uma das menores avenidas  brasileiras), é muito influenciada pela escola urbanística  francesa, assim como na revitalização do centro histórico do  Rio de Janeiro.

As edificações em bloco e imponentes também seguem a escola  modernista européia, como a Bauhaus, e de nomes como Le  Corbusier. Apesar disso, o conjunto arquitetônico da  Guararapes é considerado um proto-modernismo, apesar de na  época em que foi construído já haver edificações totalmente  modernistas.

Amaral explica que a base moderna está lá, com o emprego de  material como o concreto armado, elevadores e novas técnicas  construtivas que tiravam das paredes externas o ‘peso’  estrutural. Nessas edificações são os pilares que sustentam o  edifício. “Embora esses edifícios possuam a estrutura moderna,  alguns detalhes o fazem ter referências mais antigas”,  explica.

Um exemplo disso é a própria disposição dos edifícios no chão.  Enquanto na arquitetura moderna o prédio parece ‘flutuar’  sobre os pilotis, na Guararapes os seus edifícios estão  plantados diretamente ao chão, apesar do recuo característico  das fachadas em relação ao calçamento.

“São cinco fatores que definem uma estrutura moderna: pilotis,  paredes não estruturais, fachada livre (que possibilita  janelas de vidro ‘rasgadas de ponta a ponta’), telhado plano e  teto jardim (que caiu no desuso pelos defeitos do pós-uso)”,  argumenta Amaral.

Mas o que, afinal, forçou o debacle da imponente Avenida que  funcionou por vários anos como cartão postal da capital  pernambucana? Um dos principais fatores foi a questão do  estacionamento. Na época em que foi pensada a Guararapes, o  principal meio de transporte do recifense eram os coletivos.  Poucos podiam se dar ao luxo de comprar seu próprio veículo.  Nem mesmo o Brasil possuía uma indústria como essa. Além  disso, o centro comercial foi se alargando em direção à Boa  Vista e daí para outros bairros, culminando com a ascensão de  Boa Viagem durante a década de 80.