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– AU AU AU AU AU AU AU! – As sirenes avisam a chegada da polícia, afastando tudo que tá na frente: ladrão, criança, bicho ou animal… – AU AU AU AU AU AU AU! – Os valorosos defensores da Lei e da Ordem cercam todo o edifício, fecham as ruas, bloqueiam as saídas. Afinal de contas, uma dupla de perigosos marginais de alta periculosidade estão encurralados, depois de assaltarem um salão de beleza unisex. – Que foi que houve, moço? – Perguntou o homem da pipoca, já prevendo ótimas vendas com o ajuntamento de tanta gente. Um popular, desses identificados como anônimo-ouvinte, explica: – Dois caras assaltaram o banco aí de baixo e se esconderam aí em cima, no prédio. Não importa que a informação esteja truncada. Importa é o acontecimento. O espetáculo. Daqui a pouco chegou uma carrocinha de sorvetes, o homem do amendoim, os camelôs, os punguistas, a turma dos que nada tem para fazer. Todo mundo olhando pra cima. Algum ponto indefinido. Esperando. – Alguém já morreu? Quantos feridos? – Os boatos e versões tomam conta, se transformam em hipóteses. As pessoas relembram fatos parecidos. Cada uma que espiche o seu, aumente o teu. Chega o carro de uma Rádio com os repórteres ansiosos: “Estamos transmitindo diretamente do edifício assaltado. Mais de duas mil pessoas (UUUUU, vaia a “multidão” de 200 pessoas) aguardam o desenrolar dos acontecimentos”. – UUUU – O público continua vaiando a voz do repórter que sai do alto falante do carro. O repórter insiste: – Vamos entrevistar o cabo Feitosa, esse abnegado homem da lei! Boa Tarde, Cabo Feitosa! – O cabo Feitosa explica o que a polícia está fazendo, revistando andar por andar. Mas o repórter quer sangue: – Quantas pessoas foram feridas pelos marginais? – O cabo Feitosa responde que nada disso aconteceu, graças à pronta interferência da polícia, que tava ali para isso mesmo. O repórter, decepcionado, é implicante mesmo. O seu programa tinha que dar Ibope, e, daquele jeito, os índices iam para o brejo: – É isso aí, gente. Não se pode andar mais pela cidade. É assalto aqui, assalto acolá. Sou testemunha do trabalho eficiente da polícia… – E continua puxando o saco dos policiais, sob vaias da multidão! Vai daí que a tal multidão vai mudando de gente, se renovando, renovando as histórias em torno do assalto: Tem gente que viu inclusive os ladrões saírem do banco e se esconderem no edifício, com um refém. Outros disseram que o prédio não tinha sorte mesmo, pois já houvera outro assalto parecido, igualzinho, com os bandidos morrendo no elevador cheio de balas (não o elevador, os bandidos!). Pura fantasia! Só sei que pela boca do povo, os assaltantes morreram várias vezes, fugiram umas tantas outras, trocaram tiros com a polícia, que a polícia era atrapalhada, que a polícia queria mostrar serviço e inventou os ladrões, etc. Teve até um estudante que disse que isso era o mal do capitalismo selvagem e meteu, não sei como, um tal de Marx no meio da história. Um cara até perguntou: – Que ladrão era esse Marx, que ele nunca ouvira falar. – Outro, mais engraçado, disse que o Marx era o máximo! Outro que era Natal e que cada um se virava como podia. Um motorista de táxi, mais radical: – Eu pegava tudinho e metia na fornalha, desapareciam até os ossos! De vez em quando o rádio soletrava algum boletim especial cheio de sensacionalismo, mas nada acontecia, para azar dos tais repórteres. A turma achava era bom. O assalto tirava o fim do dia da monotonia do começo da semana. Era uma segunda feira. Divertido. Tinha gente que quando via de longe os carros da polícia e o ajuntamento de pessoas, já chegava com a pergunta na ponta da língua: – Morreu alguém? Um dos soldados estava puto da vida: – Eu tava na minha folga e foram me buscar de carro em casa. Pego esses filhos da puta (não esclareceu quais filhos da puta) e desconto tudo em cima deles (apontando com a metralhadora em direção do edifício). Outro, mais fatalista: Não tem jeito, não. A gente pega, os advogados soltam! Eu? matava tudinho. Gente ruim só acaba assim. Zum, Zum, Zum! Pegaram os ladrões. A multidão se agita. Curioso, o código da multidão. Quando você vê muita gente junta num lugar, ali no meio, só pode ter coisa. E a coisa era os ladrões. E lá vem eles, os ladrões, pelo hall do prédio, meio escuro. Caras assustadas, brancas que nem cera, olhos deste tamanho, sem camisa, algemados. Iam passando no meio da multidão com alguns populares ensaiando uns tabefes, ignorados pelos defensores da lei e da ordem. Os dois marginais de alta periculosidade eram baixinhos, franzinos, e, o que era pior, de menor. Quando chegaram perto do camburão, já na luz do dia, todo mundo percebeu a magreza de fome da maré, estampada na face de cada um. Meio nervoso, pergunto a um dos policias que escoltava a dupla de ladrões (um deles, se muito tinha, tinha uns 15 anos de palidez). – Eles estavam armados? – O maior, tava com uma peixeira. O menorzinho tava desarmado – responde o policial, colocando a mão em cima do menorzinho, dando de ombros como que se desculpando pela encenação toda. Desconfiei que o jeito como ele segurava o menorzinho não era de violência, não. Era um jeito de carinho… |
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