::::: Literatura virtual : 10 contos de rés :::::

7 Horas. Rua Sete de Sete. Num dia sete. Sete taxis parados. Zummmm!  Chega uma moto reluzente. Bem visível, a insígnia da polícia de trânsito. Capacete, luvas, botas, indumentária impecável. Vinte e poucos anos, chegou a autoridade, juvenil, mas autoridade oficial! Chegou a autoridade, dessa vez a bordo de uma motocicleta e travestida de oficial militar… Ele pára, fleumático, pôse estudada, gestos formais porém elegantes, tira do bagageiro de fibra de vidro uma prancheta de acrílico com vários papéis. Tira as luvas e desembarca! Do lado de cá, esse que vos escreve e a turba ignara, esperando para ver o que acontece. Do lado de lá, sete carros estacionados regularmente. Ah! Mas do lado acolá, bem na esquina, a maior bandeira: um carro errado! Nosso personagem principal e único, todo arrumadinho, segue pra lá, com gestos de quem diz: Não pode parar aí, vamos fazer cumprir a lei! O motorista desavisado, percebe a chegada do militar almofadinha, deixa este chegar perto, dá um sorriso de desculpa (dentes amarelos!), liga o carro e se manda. O guarda dá meia-volta e vai anotar um táxi que chegou agora e estacionou bem em cima da placa de proibido, bem juntinho à moto policial. Que afronta! Olha a cara de nordestino morto de fome e ingenuidade nata do motorista! Chega o nossa polícia, pede os documentos, ajeita o cintinho e o revólver preto fosco.  O motorista, com humildade e muito nervosismo (todo mundo fica nervoso quando mostra os documentos para a polícia, não é verdade?), percebe que aquele guarda é especial. De ingênuo o motorista só tinha a cara, pois daqui dá pra ver a lábia que tá passando no guarda, pra não levar multa. Engraçado, não tinha percebido que o guarda era um tenente! E bem novinho! Não dá para ouvir o que eles falam. A plebe ignara acompanha os gestos do guarda. Pose erecta, pés separados e bem colocados no chão. Mesmo assim, o nervosismo do motorista procura alguma coisa nos bolsos, no tabeliê, atrás dos espelhos, procura até onde não existe mais lugar pra achar não sei o quê! Nada.  A cara do guarda não deixa de ser conotativa. Sério, espera. óculos reiban, apoiados num bigode a la mexicano (esqueci esse risível detalhe!). O capacete dá um ar de peso, espacial e de temível autoridade! A mão pousada de leve no coldre, preste a sacar a arma. A esquerda apanha agora um papel na mão do motorista. Ufa, ele vai escapar, respira a plebe ignara! Parece que não… Eita! Tomou as chaves do motorista e este sai com raiva e pega um outro taxi! O guarda fecha o táxi, com muito cuidado. Volta à posição original. Inflexível! De vez em quando um táxi encosta na esquina, o guarda se empina todo e faz sinal com a mão: Anda! Notifica outro táxi que acintosamente estaciona junto dele. O infrator nem liga, olha com desdém pro milico (e este de viés, o que é pior). O guarda se irrita e mandar o cara circular! Outro carro se aproxima. O guarda olha para o possível infrator, levanta a prancheta, o motorista percebe a insinuação e se manda. Aqui do meu lado, quatro PMs, parados, conversando entre si, olhando para o oficial almofadinha, riem. Riem de quê? Tento adivinhar… O oficial é danado mesmo, anda pra lá e pra cá, notifica, repreende, um show! É baixar a cabeça e ir em frente senão o guarda te prende… Ele vai para a moto e tira o capacete. Perdeu a majestade e um pouco da autoridade. Tá quase ficando igual a qualquer um de nós… Ôpa! Chegou um casal num Fiat. Lá vai o nosso guarda. O cara já está dando a partida, fica nervoso e bate no carro da frente! Que azar, na cara do guarda! O cara sai. Tem boa pinta. Todo arrumadinho, de terno, classe média, feito o guarda. Quero ver agora! Falam, falam, o cara tira documentos de tudo que é lugar e o guarda examinando tudo com paciência, sempre posudo. O outro, o motorista, sorrindo, meio maluco. Se explica, justifica, inventifica e o guarda lá, fleumático.  Vai notificar o cara, pois este fez cara de “deixa por menos, pelo menos hoje”. Perigo! Botou a mão no ombro do guarda! Que cara doido! O guarda olha pro cara com cara de poucos amigos… O maior vexame. O cara tem cara de quem vai dar a maior cantada no guarda: bola, mufunfa, tutu, grana. Pra se livrar da multa… Coitado… O guarda manda o pessoal se afastar, a plebe ignara resmunga e sai de perto. Menino! Na frente de todo mundo! Aparece um papel!. Todo mundo reconhece! Uma nota de cem! Tá resolvido! Puta que pariu! O cara dá um cartão pro guarda, diz obrigado e se manda. A cara de frustração é geral. O mundo normal acaba de voltar, na pele de mais um guarda desonesto!
 


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