::::: Literatura virtual : 10 contos de rés :::::

E pediram a ele: Calma, companheiro! E ele baixou a cabeça, submisso. – Você ainda não é gente, tem que aprender mais – explicaram. E ele, mais uma vez, se resignou. Já faz mais de 30 anos que isso aconteceu. Olho para ele todo dia, amuado num canto, na rua Sete de Sete. De brincadeira, chegou perto dele: Ainda não chegou a hora, companheiro! – e ele quieto estava, quieto ficava. Nos olhos, a passividade intensa. Todo mundo da rua conhece o ex-guerrilheiro, ex-terrorista, ex-subversivo e tudo que era ex! Nos momentos de lucidez, a gente perguntava: Qué isso companheiro? Ele olhava pra você, vazio, pensativo e respondia: – Nada! Nada! – o olhar te atravessando, te atravessando… Tem gente que o onfundia com um mendigo. Dizem até ser de boa família, pois estava sempre bem vestido. Roupas amarrotadas, mas boas roupas! Ele não tem percepção do que lhe vai em volta. De dormir ao relento, debaixo de uma marquise numa das ruas mais folclóricas do Recife. Nesses sete anos todos ele sobreviveu, Deus sabe como! Até que um dia a notícia: Ele morreu! Justamente no momento em que vou dar um expediente no bar Sete da Sete. Dá tempo de ver o ajuntamento na rua, em volta do corpo. Estava ainda quente. Acabara de morrer… Fácil de identificar pelas roupas decentes e velhas. Foi então que eu me lembrei que nunca tinha visto suas mãos. E, agora, vejo-as bem: Na mão direita, fechada, um papel. Alguma coisa presa. Forço a mão, encontro um retrato amassado. Um retrato de mulher. No verso, um nome, uma frase e uma data de 30 anos atrás: “Adeus, Abelardo, foi bom enquanto durou!”


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