Homenagens ao baião
Os 50 anos do estilo são comemorados com
lançamento de 10 CDs de luiz gonzaga
Rodrigo Salem
Da equipe do DIÁRIO
Alguns dizem que ele surgiu em 1946, quando o
compacto Baião, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira,
foi registrado. Outros estudiosos afirmam que tudo
começou um ano depois, com a gravação de Asa
Branca, também de Gonzagão. Certeza mesmo só o
início atrasado das comemorações dos 50 anos do
baião, ritmo nordestino que marcou (e marca) de forma profunda a trajetória da
música popular brasileira. Para não deixar a data passar em branco, nesta quinta-feira
acontecerá o pré-lançamento do CD Baião: 50 anos de Poesia, Ritmo e Emoção.
O trabalho reúne os melhores instrumentista do país com a Orquestra Brasileira de
Forró, formada exclusivamente para assinalar os festejos dos 50 anos do baião. São
doze músicas, selecionadas por sua importância e sucesso junto ao publico,
abordando as obras de Luiz Gonzaga, Zé Dantas, entre outros compositores.
Segundo o produtor cultural Raimundo Campos, um dos responsáveis pelo projeto, o
disco vem contribuir para um aumento no consumo do estilo pela classe média. “O
CD permitirá aopúblico o acesso a uma obra musical de cunho documental, inédita,
cuja execução musical está sendo realizada pelos mais renomados mestres da
sanfona”, declara. E a presença dos mestres Hermeto Pascoal, Sivuca, Renato
Borghetti, Oswaldinho e Dominguinhos está garantida na cerimônia desta semana.
Aliás, Dominguinhos – juntamente com seus companheiro de instrumento, Camarão e
Arlindo dos Oito Baixos – é o responsável pela criação do projeto do disco. Mas
alguns apoios foram fundamentais, como os dos maestros Edson Rodrigues e
Haroldo do Monte e do produtor cultural Raimundo Campos, co-autores da idéia. O
resultado da iniciativa, aprovada pela Lei de Incentivo à Cultura, vai tomar forma a
partir desta quinta-feira, às 20h, quando a orquestra brasileira de forró se reúne pela
primeira vez no hotel Atlante Plaza.
HISTÓRIA
O baião começou, na verdade, muitos anos antes de Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira. A palavra servia para definir a dança preferida da camada menos favorecida
da população do nordeste brasileiro no final do século XIX. Era um ritmo que tinha
nascido no meio rural e na zona praieira, locais das festas dos pobres da época. Já na
metade do século XX, quando a segunda grande guerra acabou com várias fronteiras
de culturas e a população exigia uma música identificada com as tradições brasileiras,
o baião começou sua trajetória de sucesso.
No final de 1945, o sanfoneiro e compositor pernambucano Luiz Gonzaga,
acompanhado do compositor cearense Humberto Teixeira, começou a estudar os
detalhes do estilo, com a intenção de criar algo que unisse o potencial folclórico com
a música. Foi no baião que os dois encontraram a matéria-prima para os objetivos de
nacionalidade sonora. Em 22 de maio de 1946, na fábrica Odeon, foi gravado o
compacto Baião, da dupla, interpretado pelo grupo Quatro Ases e um Coringa. Os
versos “eu vou mostrar para você/como se dança o baião/E quem quiser aprendê/É
favor prestar atenção” tomariam o Brasil de assalto.
Hoje em dia o baião recebe muitas homenagens. Alceu Valença, ElbaRamalho e
Nando Cordel tentam resgates histórico-musicais. Mas grupos de rock como Jorge
Cabeleira e Dasbandas da Parahyba ou representantes legítimos do forró de
pé-de-serra (Mestre Ambrósio e Cascabulho) mostram que o baião ainda tem
bastante a ensinar.
O rei
As comemorações meio tardias dos 50 anos do baião serviram para uma justa
homenagem especial ao nosso Rei do Baião, Luiz Gonzaga. A gravadora BMG
acabou de colocar nas lojas uma caixa que reúne dez CDs do sanfoneiro
pernambucano (ele nasceu em Exu), numa tentativa de cobrir o buraco na discografia
de um dos músicos mais importantes da música popular brasileira. Os discos
lançados ainda podem ser comprados separadamente, levando a obra do artista ao
seu verdadeiro público: o povo.
Muito discriminado no começo da carreira, quando a música brasileira era
considerada menor pelos intelectuais, Luiz Gonzaga insistia em se apresentar com
trajes de cangaceiro, representando fielmente o homem sofrido do nordeste.
Começou o caminho rumo à fama nos microfones da Rádio Nacional e até o dia da
sua morte lançou mais de 40 trabalhos completos, trabalhando sempre com seus
parceiros Zé Dantas e Humberto Teixeira. Hoje, mais que respeitado como
compositor, sanfoneiro e cantor, Gonzagão virou objeto de estudos de
pesquisadores. A francesa Dominique Dreyfus escreveu a Vida do Viajante, Gidson
Oliveira já havia lançado O Matuto que Conquistou o Mundo e outra biografia, desta
vez escrita por Jonas Vieira, deve sair este ano.
Voltando à coleção do mestre do forró, pode-se notar algumas ausências
importantes. O critério de seleção não foi bem definido e obras fundamentais como
Luiz Gonzaga Canta seus Sucessos com Zé Dantas (1959) e Meus sucessos com
Humberto Teixeira (68) ficaram de fora da compilação. Claro que o resgate de um
artista que costumava gravar mais compactos (o que chamaríamos de single hoje em
dia) não poderia ser feita de uma só vez. O tesouro mais antigo data de 1962, porém o
mais valioso é O Rei Volta Para Casa (82), raridade pertecente a poucos
colecionadores. Nem ao menos tiveram a bondade de colocar Que Nem Jiló, uma falta
imperdoável.
Mas entre as 120 músicas restauradas pela BMG, nota-se uma preferência pela
sanfona e garganta de Gonzaga. Na caixa, ninguém vai poder reclamar das pequenas
amostras de aboio, xotes, cocos e valsas compostas pelo rei do sertão. Os CDs são,
acima de tudo, o começo do resgate de uma obra imensa e diversificada, que ainda
vai receber uma homenagem completa. Vamos esperar por mais
Fonte | Diário de Pernambuco | 26/maio/98 |