Tributo a Guerra Peixe Publicado em 27.04.2004 CLÓVIS PEREIRA

Neste momento quando a imprensa do Sul do País homenageia a passagem dos 90 anos de nascimento do maestro brasileiro, aqui em Pernambuco reverenciamos também o gênio musical de Guerra Peixe, compositor e folclorista (1914-1993). Guerra Peixe esteve pela primeira vez no Recife, em 1949, para participar da programação aniversária do Rádio Jornal. Apesar de haver permanecido entre nós por pouco tempo (apenas três anos), esse curto período foi o bastante para o mestre sedimentar importante experiência em sua trajetória de compositor preocupado com o caráter nacional da música brasileira. Renunciando às propostas que lhe foram feitas para residir na Europa, Guerra Peixe decidiu morar no Recife acreditando estar no folclore pernambucano uma irrecusável fonte de inspiração para desenvolver uma escola de composição no Brasil. Aqui chegando, abandonou o dodecafonismo e passou a utilizar em suas obras os nossos temas, às vezes usando o ritmo dos caboclinhos, outras vezes os dos nossos maracatus e xangôs. Aqui publicou “Maracatus do Recife”, obra definitiva sobre o assunto do ponto de vista estético-musical e sociológico. Em 1951 publicou na imprensa local “Um Século de Música no Recife”, uma série de artigos sobre compositores que aqui viveram produzindo músicas entre 1850 e 1951. Pôs em discussão as obras compostas naquele período. Expoentes da música pernambucana tiveram suas obras analisadas e dissecadas, num cotejo com o que de melhor se fazia àquela época no Sul do País. Entre seus escritos, são fontes permanente de estudos “Os caboclinhos do Recife”, “Zabumba – Orquestra do Nordeste”, a “A Música e os Passos do Frevo” e “Variações sobre o Boi”. Compôs em 1950 a sua “Abertura Solene”, para comemorar a passagem do primeiro centenário de inauguração do Teatro de Santa Isabel, o que lhe valeu um brilhante primeiro lugar em concurso realizado pela municipalidade. Continuando escreveu a “Suíte Pernambucana” e obras para grupos de câmara e para solistas, todas elas impregnadas do ethos brasileiro – aquele que no momento mais nos interessa: o da cultura nordestina. Sua última obra “Tributo a Portinari”, foi gravada pela Orquestra de Porto Alegre. Decidiu fundar aqui em Recife uma escola de composição, aberta e gratuita e que funcionava na sua própria residência. Escolheu para serem seus alunos Capiba, Clovis Pereira, Sivuca e Jarbas Maciel e lhes ensinou harmonia e composição, imaginando pudessem eles, algum dia, trabalhar em defesa da música pernambucana e ajudá-lo a projetar tal música Brasil afora. Duas décadas após a volta de Guerra Peixe para o Sul do País, seus discípulos desenvolveram em 1970 as bases da música Armorial. Cabe sem dúvida ao Governo de Pernambuco outorgar a César Guerra Peixe o título de Cidadão Pernambucano (in memoriam), pelo seu imenso trabalho realizado aqui em Pernambuco. Clóvis Pereira é professor aposentado da UFPE e master of music pela Boston University(USA). ======== GUERRA PEIXE * Petrópolis 18.03.1914 + 1993 O compositor e suas obras Guerra Peixe César Guerra Peixe, filho de imigrantes portugueses de origem cigana, nasceu em Petrópolis no dia 18 de março de 1914. Aos 9 anos já tocava violão, bandolim, violino e piano. Viajava muito com a família pelo interior do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, assistindo freqüentemente a grupos folclóricos, o que marcou muito sua infância. Estudou violino com o professor Gao Omacht, na Escola de Música Santa Cecília, e teve aulas particulares de violino e piano com Paulina d’Ambrósio. Com apenas cinco anos de estudo, obteve a medalha de ouro oferecida pela Associação Petropolitana de Letras. Após prestar concurso para ingressar na Escola Nacional de Música, obtendo o primeiro lugar, Guerra Peixe transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde, para sobreviver, passou a trabalhar como músico em orquestras de salão que tocavam em confeitarias e bares, além de integrar um trio alemão que se apresentava na Taberna da Glória. Na Escola de Música, fez os cursos de harmonia elementar, com Arnaud Gouveia, e de conjunto de câmara, com Orlando Frederico. Nesta época, começou a trabalhar como arranjador para alguns cantores e gravadoras. Depois de ler Ensaio sobre a Música Brasileira, de Mário de Andrade, Guerra Peixe mudou seu conceito de composição. “Depois de ter lido Mário, comecei a compor com mais consciência…”. Em 1943, ingressou no Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro, para se aperfeiçoar em contraponto, fuga e composição, tornando-se o primeiro aluno a concluir o curso de composição do Conservatório. Em 1944, terminado o curso, Guerra Peixe, ansioso por conhecer as novidades no campo da música, entrou em contato com o professor Koellreutter, que trouxe para o Brasil o dodecafonismo, a técnica dos 12 sons criada por Schöenberg. Suas peças eram, até então, compostas dentro do modelo clássico com melodia brasileira, sendo a Suíte infantil n.º 1 para piano a expressão maior desse período. Na primeira fase da concepção dodecafônica, sua primeira composição, Sonatina para flauta e clarinete, foi intencionalmente antinacionalista. Compôs também a obra Noneto, interpretada por Hermann Scherden em diversos centros europeus. Nessa época, participava do grupo Música Viva, com Cláudio Santoro, Edino Krieger e Eunice Katunga. “Renunciei a tudo que tinha feito antes, mas comecei logo a discordar deste cabresto que o Música Viva impunha à gente.” (JB, 23/11/90) Depois de compor uma obra em que todas as características dodecafônicas se realizam alheias aos valores musicais brasileiros, Música n.º 1 para piano e solo, suas obras seguintes acentuaram a intenção de nacionalizar os 12 sons, como a Sinfonia n.º 1 para pequena orquestra, executada pela BBC de Londres, o 1º quarteto de cordas, as Miniaturas para piano. A peça Trio de Cordas foi um marco na pesquisa da dodecafonia, no sentido de conferir-lhe tons nacionais. Composta em 1945, nota-se, no segundo movimento (andante), um desprendimento no manejo da técnica dos doze sons. “Aprendi o dodecafonismo, assimilei a coisa, e fui tentando deformá-lo para adaptá-lo ao Brasil. Não consegui, porque à medida que abrasileirava, mais me afastava dele, a ponto de negá-lo.” (Folha de São Paulo, 25/03/84). A fase dodecafônica encerrou-se em 1949 com a Suíte para flauta e clarinete. Guerra Peixe Em junho de 1941, Guerra Peixe decidiu ir ao Recife com o objetivo de conhecer as diversas manifestações do folclore nordestino. Voltou depois ao Rio de Janeiro, mas por pouco tempo. Insatisfeito com seus conhecimentos folclóricos, firmou um contrato de trabalho com uma emissora da capital pernambucana, a fim de poder estudar a fundo o folclore, tornando-se um “sulista nordestinizado”, como o descreveu Gilberto Freyre. Guerra Peixe passou a conhecer o folclore brasileiro como poucos, ganhando sua música uma nova dimensão a partir do estudo de ritmos nordestinos como o maracatu, coco, xangô, frevo. O compositor descobriu que os passos do frevo foram trazidos por ciganos de origem eslava e espanhola, e não por negros africanos, como se pensava até então. “Durante 3 anos me meti nos xangôs, maracatus, viajei para o interior, recolhi músicas de rezas para defunto, da banda de pífanos…”. Publicou em 1955, como resultado de suas pesquisas, o trabalho Maracatus do Recife. Em 1960 compôs a sinfonia Brasília, conhecida como a obra mais importante de sua fase nacionalista. Guerra Peixe compôs trilhas para os filmes Terra é sempre terra e O canto do mar, sendo premiado em 1953 como melhor autor de música de cinema. Também realizou trabalhos no campo da música popular brasileira, fazendo arranjos sinfônicos para músicas de Chico Buarque, Luiz Gonzaga, Tom Jobim. Integrou a Orquestra Sinfônica Nacional como violonista e dedicou-se à carreira de professor, dando aulas de composição, na Escola de Música Villa-Lobos, e de orquestração e composição, na Universidade Federal de Minas Gerais. Na sua fase de maturidade artística, compôs Tributo a Portinari, confirmando seu incomparável domínio de orquestração. Poucos compositores conseguiram, como ele, atingir uma versatilidade e uma admirável concisão de linguagem, buscando na simplicidade a sua arma mais eficaz.
fonte: http://www.aesa.com.br/solistaslondrina/compositores/peixe.php
|