:::::::::::::: MEMORIAL PERNAMBUCO :::::::::::::: A História, a Cultura e a Arte de Pernambuco para o Mundo! ::::::::::::::

Sou daqueles que acredita que esse negócio de aborrescente é coisa inventada por pedagogos que foram maltratados quando adolescentes, igual à tese de que a liberalidade atual na família decorre do fato que os filhos reprimidos de ontem são os pais permissivos de hoje, por isso essa garotada é tão rebelde.

No começo do século 20, lá pelas bandas do sertão brabo, de seca, de coronelismo, filho que se avexasse de afoito levada uma surra de vara.

Virgolino Ferreira da Silva era sinônimo de cabra macho, mas o seu coração se amansou quando viu aquela adolescente redondinha, brejeira, mesmo que o detalhe dela ser comprometida fosse apenas isso, um detalhe. Afinal ele era Lampião.

E o nêgo que não tivesse a ingenuidade de falar esse nome poraí sem ter nem quê. O próprio poderia aparecer não se sabe donde e o infeliz ia sofrer.

Lampião foi tudo de todos, foi todos de tudo. Muitos tentaram se aproveitar do seu prestígio, embora hoje soasse meio esquisito. Afinal, Lampião não era o bandido? Não. Lampião era cangaceiro!

E, afinal, o que era cangaceiro, ser cangaceiro? No imaginário popular, o cangaceiro era um sujeito que sofreu uma injustiça quando criança ou adolescente, não poude revidar, então pegou um rifle, um cavalo, se juntou a outros injustiçados, e saiu porai, praticando justiça, andando pelo mundo, sem destino. Uma visão romântica.

Isso deu romances, novelas, filmes, histórias em quadrinhos etc. Mas não era bem isso. E não é.

Vivendo como nômades, fugindo da polícia, ameaçando para poder ter alimentos e munições, os cangaceiros conheciam bem o sertão. Esse status quo existia porque existiam interesses para que isso acabasse de um dia para outro.

Muita gente desconhece que o famoso Padre Cícero tentou arrebanhar Lampião para o seu lado, com a desculpa de perdão do governo federal se o bando combatesse a coluna Prestes. Viu? Questões de interesses. E deram uma patente de Capitão para Lampião além de armas, munições, roupas e dinheiro. O caolho, que enxergava muito bem com um olho só, pegou tudo e se mandou para o mato, sem cumprir a promessa. Sujeito vivo!

Transcrevemos o testemunho do dr. Antonio Ferreira Magalhães, primo de Lampião, publicado na extinta revista O Cruzeiro: “- Lampião era uma figura máscula e fascinante. Tinha a personalidade e o magnetismo de um verdadeiro chefe. No contato pessoal, era um homem simples e amável, dedicado a todos da sua família. Êle se tornou um “fora-da-lei” por fôrça das circunstâncias. O seu pai, que era um homem bom e pacato, sofreu perseguições sem conta, por questões políticas, e teve de mudar com tôda a família, várias vêzes, abandonando as suas terras, o que, para um sertanejo, é o pior castigo. Por fim, tendo ido viver em outro Estado, Alagoas, nem mesmo assim pôde ficar em paz. Foi assassinado pela Polícia. A mãe de Lampião morrera poucos dias antes, também em conseqüência da perseguição que lhes era movida. Diante disso, Virgulino tornou-se Lampião. Não tinha para quem apelar, não tinha a quem pedir justiça. Resolveu fazer justiça pelas próprias mãos e não pôde mais parar. Êle foi um produto do meio e das condições sociais da época. Não era um tarado, um assassino nato, um lombrosiano.”

(continua)