:::::::::::::: MEMORIAL PERNAMBUCO :::::::::::::: A História, a Cultura e a Arte de Pernambuco para o Mundo! ::::::::::::::

Com a crescente busca por riquezas na Terra do Açúcar, emigraram para Pernambuco homens, mulheres e crianças, originários dos mais diferentes portos, aproveitando-se das facilidades oferecidas pela Câmara de Amsterdã para quem desejasse se estabelecer no Brasil.

A título de exemplo, recorde-se que, sob o comando de Manuel Mendes de Castro, partiram de Amsterdã para Pernambuco 200 judeus, “entre pobres e ricos”, que tinham por objetivo a fundação de uma colônia agrícola fato que nunca se concretizou. Esses “colonos” vieram embarcados em dois navios, Soutcas e Graeuw Paert, fretados pela Câmara de Amsterdã, que aportaram no Recife em 5 de fevereiro de 1638. Em cartas ao Alto Conselho, datadas de 19 de março e 23 de maio daquele ano, o conde João Maurício de Nassau comunica a chegada daquelas famílias que, “em vez de se encaminharem para o seu destino, aqui se dispersaram e cada um tomou seu caminho, tendo falecido o chefe”.

Segundo recenseamento realizado em fins de 1645 e nos começos de 1646, o qual não inclui e nem indica o efetivo das guarnições dos fortes ali situados, estimado em 1.169 soldados, estariam confinados no Recife um total de 4.660 pessoas, “entre particulares, empregados da Companhia e escravos”. Por essa época, habitavam o Recife cerca de 8.000 habitantes, segundo estimativa do cronista do Journael, publicado em Arnhem no mês de junho de 1646.

Comenta Hermann Wätjen , que “algumas dessas horríveis moradas eram verdadeiras pocilgas”. A fim de abrigar tanta gente foram reconstruídos os armazéns do porto, incendiados por ocasião da invasão, aproveitando-se os sótãos dos sobrados, alguns dos quais com até oito pavimentos. Eram acomodações destinadas a “caixeiros, auxiliares de escrita e serventes”, em número de três a oito deles em cada cômodo, sob um calor asfixiante, com suas camas coladas às outras, na maior das promiscuidades; segundo se depreende de cartas do Conselho do Recife com datas de 31 de março e 20 de dezembro de 1641. Se nós não abrigarmos essa gente em habitações coletivas, ela vai procurar alojamentos nas bodegas do porto, que são os bordeis mais vis do mundo. Ai! Do mancebo que ali cair: fica votada a irremissível perdição.

Diante de tamanha promiscuidade, não é de admirar que a vida na colônia tornou-se um verdadeiro inferno. A falta de alimentação adequada, sobretudo a ausência de vitaminas no cardápio diário, trouxe consigo o crescimento dos casos de escorbuto e outras doenças, como a hemeralopia [deficiência de visão à luz do sol; cegueira diurna], disinterias sangüíneas (ventris fluxus, Piso), moléstias do fígado, surtos de gripes, dentre outras que dizimaram um grande número de pessoas.

A ausência das mais comezinhas noções de higiene e de asseio corporal veio contribuir para o aparecimento de parasitas, que, por vezes, levava a morte, como conta Ambrosius Richshoffer em seu Diario de um soldado, ao narrar a morte de um soldado da sua companhia. Apesar de o meterem, inteiramente nu, dentro de uma tina de água do mar, esfregarem-lhe fora a bicharia com uma vassoura, e vestiram-lhe uma camisa limpa, logo encheu-se outra vez deles, e não só inchou extraordinariamente como ficou cego. O Hospital do Recife, quando da epidemia de 1646, tornou-se insuficiente para abrigar tão grande número de doentes. Pierre Moreau, que acompanhou os últimos anos da presença holandesa em Pernambuco, acerca das doenças que dizimavam à população é conclusivo em suas observações: Eram doenças comuns como o escorbuto, o fluxo de sangue e os vermes engendrados nas serosidades corrompidas de seu sangue e que apareceram em todas as partes de seus corpos, dos quais se arrancava a pele, mas ficavam sempre alguns óvulos que originavam outros. Trezentos ou quatrocentos sucumbiram mortos pela debilidade, alguns nos hospitais outros, por vezes, no meio da rua. PROSTITUTAS IMPORTADAS

Da promiscuidade do dia-a-dia, agravada com a chegada de um número cada vez maior de aventureiros, dentre os quais um grande número de prostitutas, a sífilis veio a tornar-se uma verdadeira epidemia no Brasil Holandês, obrigando cientistas, como o médico Willem Piso e Georg Marcgrave, autores do livro clássico Historia Naturalis Brasiliae (1648), buscar a cura para tal doença junto à flora medicinal indígena e aos médicos portugueses, que recomendavam para a infecção por gonorréia o sumo da cana, através do qual, “fica-se curado dentro de oito dias”.

A propagação da lues, como também é denominada a sífilis, era propiciado pelo grande e imenso bordel a que fora transformado o Recife de então. Tal importação vem acontecer logo nos primeiros anos do Brasil Holandês, que recebeu verdadeiros “carregamentos de mulheres perdidas”, como se depreende das cartas do Conselho do Recife, com a de 20 de dezembro de 1635, endereçada à Câmara da Zelândia: Pedimos encarecidamente, que por ocasião do embarque seja examinado com mais cuidado quem sejam as passageiras, a fim de que se possa saber que espécie de gente pretende viajar para a Nova Holanda. A nossa impressão é, francamente, que a Metrópole considera o Brasil com uma cloaca destinada a receber todas a sua imundície.

Muitas dessas “mulheres fáceis”, como a elas se referiam os documentos, aparecem com os seus nomes mais conhecidos: Cristinazinha Harmens, Anna Loenen, Janneken Jans, Maria Roothaer (Maria Cabelo de Fogo), Agniet, Elizabeth (apelidada de a Admirael), Maria Krack, Jannetgien Hendricx, Wyburch van den Cruze, Sara Douwaerts (apelidada de Senhorita Leiden), havendo outras duas conhecidas por Chalupa Negra e Sijtgen, segundo demonstra José Antônio Gonsalves de Mello em Tempo dos Flamengos.

Sobre o estado de promiscuidade atingido pela capital do Brasil Holandês, comenta Hermann Wätjen “que pelas ruas do Recife andava muita gente pouco ajuizada e que aí todas as portas se achavam abertas ao vício. Os soldados arrebanhados de todos os campos de batalhas da Europa, para arriscarem diariamente a vida e a saúde numa campanha de guerrilhas, contra um inimigo ardiloso e prático, queriam gozar à rédea solta os dias de folga”.

O mesmo proceder acontecia com os marinheiros, após travessias de muitas semanas no mar, quase sempre envolvidos em batalhas e refregas. Também acontecia com os homens procedentes dos engenhos de açúcar, que se encontravam no Recife de passagem, longe da vista de suas famílias.

Todos eles, soldados, marinheiros, capitães, agricultores, lotavam os botequins e albergues, ingerindo grandes quantidades de vinho e outras bebidas destiladas. Eram portugueses, holandeses, negros, indígenas, turcos, judeus, mazombos, mulatos, mamelucos, crioulos, ingleses, franceses, alemães, italianos, cujo panorama de excessos, segundo Pierre Moreau não pode ser descritos por simples palavras.

A terrível problemática habitacional levou a promiscuidade e a conseqüente dissolução moral da capital do Brasil Holandês contribuindo para a elevação do número de doenças epidêmicas, com o aumento do número de óbitos e a derrocada de sua estrutura política e militar.