Péricles |
O Amigo da Onça também é da safra local
Uma das maiores criações do cartum brasileiro – o Amigo da Onça – nasceu da cabeça de um pernambucano: Péricles de Andrade Maranhão. O personagem é, sem dúvida nenhuma, uma presença obrigatória no imaginário coletivo nacional desde a década de 40. Péricles nasceu no bairro do Espinheiro, no Recife, dia 14 de agosto de 1924, estudou no Colégio Marista e fez sua primeira charge para o Diário de Pernambuco. A charge viveu nas páginas de O Cruzeiro de 23 de outubro de 1943 a 3 de fevereiro de 1962. Depois da morte de seu criador, o Amigo da Onça foi desenhado por Carlos Estevão. Os diretores da revista O Cruzeiro queriam criar um personagem fixo e já tinham até o nome, adaptado de uma famosa anedota. Péricles de Andrade Maranhão foi um adolescente pernambucano desenhista daquele com talento de enlouquecer qualquer professor. Jovem durante a fase auréa dos quadrinhos,por vezes imitou os traços de Dick Tracy, Agente Secreto X-9, Flash Gordon Menor de idade, chegou ao Rio de Janeiro, com uma carta de recomendação para nada mais nada menos que Leão Gondim de Oliveira manda-chuva dos Diários Associados, então a mais poderosa rede de comunicações do país. Em sua estréia, a 6 de junho de 1942, era o funcionário mais jovem da empresa . Nove meses depois seu primeiro personagem cômico no Diário da Noite: Oliveira, o trapalhão já divertia os leitores. No ano de 1943 O Cruzeiro baseada numa equipe jovem e de qualidade iniciava a revolução que faria nos anos seguintes se tornando a revista mais importante do Brasil. Péricles participaria com um tipo humorístico que traduzisse “a verve típica e o humor carioca”, que captasse “o estado de espírito daquele que vive no Rio de Janeiro, não importa onde tenha nascido”. Rabisca pra cá, rabisca para lá, Péricles coloca o lápis para pensar e emerge uma figura que lhe parece apropriada : baixinho, cabelo penteado para trás à base de gumex, summer jacket, bigodinho safado, olhar de peixe morto. Fez tanto sucesso que as tiradas que antes ficavam na capa e contra-capa passaram a ser dentro da revista, evitando que as pessoas apenas as folheassem sem pagar. O Amigo da Onça foi utilizado para fazer jornalismo e críticas e em muitas situações o Amigo da Onça esculhamba instituições como o casamento, exército e a hipocrisia social contida no jogo de aparências. Coube a Leão Gondim o batismo do personagem, baseado numa piada da época: Dois caçadores conversam em seu acampamento: – O que você faria se estivesse agora na selva e uma onça aparecesse na sua frente? – Ora, dava um tiro nela. – Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo? – Bom, então eu matava ela com meu facão. – E se você estivesse sem o facão? – Apanhava um pedaço de pau. – E se não tivesse nenhum pedaço de pau? – Subiria na árvore mais próxima! – E se não tivesse nenhuma árvore? – Sairia correndo. – E se você estivesse paralisado pelo medo? Então, o outro, já irritado, retruca: – Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça? O Amigo da Onça estreou em 23 de outubro de 1943, capturando de imediato a atenção dos leitores.A ausência de caráter que denuncia o anti-herói brasileiro, de Brás Cubas até os dias de hoje. O sucesso do Amigo da Onça entre os leitores era enorme, mal se podia esperar pela proxima revista para ve-lo cometer as maiores maldades: Enganar um podre transeunte na rua, pregar uma peça na sogra, Azedar com o cara que pedia dinheiro emprestado, botar uma armadilha para o chefe mal-humorado. . O Amigo da Onça foi publicado durante mais de 20 anos ininterruptos em O Cruzeiro. Ao contrário de repórteres como David Nasser e Jean Manzon, desenhistas de humor como Carlos Estevão ou escritores como Rachel de Queiroz, que transformaram seus nomes em grifes, quão difícil era desvincular seu nome do personagem. Com isto sofria muito era sempre apresentado como o criador do Amigo da onça e nunca como Pericles,de fato foi seu amigo da onça. Com o tempo e com todas as possibilidades que seu sucesso lhe conferiu além de estar vivendo longe da familia numa cidade como a savana carioca, logo desenvolveu uma personalidade instável e se tornou um boêmio inveterado. Péricles morreu de forma trágica. Na noite de 31 de dezembro de 1961, ele escreveu 2 bilhetes, reclamando da solidão, fechou todas as portas do seu apartamento e ligou o gás. Antes, o último Amigo da Onça desencarnou de seu corpo e foi colocar um aviso na porta, escrito à mão: “Não risquem fósforos”. Após a morte do companheiro o cartunista Carlos Estevão continuou fazendo as páginas do Amigo da Onça . O personagem foi revivido pelo menos mais duas vezes de lá para cá, tentativas mal sucedidas em termos de audiência. Péricles, o amigo da onça por Rafael Lima O adolescente pernambucano Péricles de Andrade Maranhão deve ter sido um daqueles desenhistas com talento em estado bruto de enlouquecer professor de perspectiva. Leitor da era de ouro dos quadrinhos, começou tentando imitar Dick Tracy, Agente Secreto X-9, Flash Gordon — nos momentos em que não se imaginava como um deles, certamente. Ainda menor de idade, chegou ao Rio de Janeiro, carta de recomendação para Leão Gondim de Oliveira debaixo do braço: Leão era o grão-vizir dos Diários Associados, então a mais poderosa rede de comunicações do país. Em sua estréia, a 6 de junho de 1942, era o funcionário mais jovem da empresa (Millôr — até pouco antes Milton — Fernandes faria 18 anos pouco depois). Em menos de um ano, emplacaria seu primeiro personagem cômico no Diário da Noite: Oliveira, o trapalhão. Em 1943 O Cruzeiro já iniciara a escalada de vendas que lhe tornaria a revista mais vendida do Brasil de todos os tempos, baseada numa equipe jovem e prenhe de talentos em gestação, quando não prontos. A edição já se fixara em determinadas seções e nomes de consistência e qualidade suficientes para merecerem a estabilidade, e a Péricles seria encomendado um tipo humorístico para ocupar piadas de uma página, que traduzisse “a verve típica e o humor carioca”, que captasse “o estado de espírito daquele que vive no Rio de Janeiro, não importa onde tenha nascido”. Tarefa nem um pouco trivial, aliás. Rabisca pra cá, rabisca para lá, Péricles coloca o lápis para pensar e emerge uma figura que lhe parece apropriada para gags visuais: baixinho, cabelo penteado para trás à base de gumex, summer jacket, bigodinho safado, olhar de peixe morto. Era alinhado demais para ser um dos cafajestes de Nélson Rodrigues, tinha o jeito cínico demais para ser um dos personagens encarnados por Zé Trindade ou Oscarito nas chanchadas da Atlântida e, ao mesmo tempo, moleque demais para ser a versão tupiniquim dum golpista internacional interpretado por David Niven. É curioso notar a semelhança com Lamartine Babo, sobretudo depois da meia-idade, ainda que o mais provável é que Péricles tenha buscado um retrato genérico: uma foto da redação d’O Cruzeiro em meados dos anos 50 traria uma coleção de sujeitos de cabelo penteado para trás, bigodinho e paletó branco… (Aliás, a semelhança da redação d’O Cruzeiro com o Amigo da Onça não era apenas física, mas psicológica; não é difícil imaginar quantas idéias devem ter surgido a partir de pilhérias entre os funcionários da revista.) Além da contratação, coube a Leão Gondim o batismo do personagem, baseado numa piada gasta, em voga naqueles dias. Dois caçadores conversam em seu acampamento: – O que você faria se estivesse agora na selva e uma onça aparecesse na sua frente? – Ora, dava um tiro nela. – Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo? – Bom, então eu matava ela com meu facão. – E se você estivesse sem o facão? – Apanhava um pedaço de pau. – E se não tivesse nenhum pedaço de pau? – Subiria na árvore mais próxima! – E se não tivesse nenhuma árvore? – Sairia correndo. – E se você estivesse paralisado pelo medo? Então, o outro, já irritado, retruca: – Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça? Assim, o Amigo da Onça estreou em 23 de outubro de 1943, capturando de imediato a atenção dos leitores. Ao batizar o personagem, Gondim percebeu sua característica fundamental, responsável pela chamada “identificação” do público: a ausência de caráter que denuncia o anti-herói brasileiro, de Brás Cubas a Macunaíma. O sucesso do Amigo da Onça entre os leitores não pode ser explicado apenas pelo efeito de catarse que ele provocava ao cometer as maldades que, secretamente, seu público desejava mas nunca levara a cabo: pregar uma peça na sogra, dar uma cama-de-gato no chato que sempre pedia dinheiro emprestado, botar uma armadilha para o chefe mal-humorado. Havia algo mais ali, havia um deleite sádico em se comprazer com a desgraça alheia (mesmo que sem motivo), o sentimento precisamente descrito por uma palavra alemã: schadenfreude. Era o humor despido de sua armadura vingativa, de suas cores redentoras, que brada a nudez do rei, que castiga a moral rindo; humor em sua forma mais simples: ilógico, anárquico, estúpido, universal. Não que diversas vezes Péricles não tenha preferido localizar a piada, utilizando o Amigo da Onça para fazer jornalismo ou crítica de costumes. Em dois exemplos notáveis, o Amigo incentiva Boris Pasternak, escritor vítima do stalinismo, a ir buscar seu prêmio Nobel e convida Nat King Cole a fazer uma turnê na Cidade do Cabo, em pleno apartheid. Também é fácil encontrar muitas situações em que o Amigo da Onça esculhamba instituições como o casamento ou as forças armadas e desnuda a hipocrisia social contida nos bons modos forçados, na falsa elegância, no jogo de aparências. Nada que diminuísse o caráter universal do personagem, afinal exército e casamento são alvos de humoristas até hoje — para não sair da mesma revista, algumas páginas antes podiam-se encontrar gracinhas de Millôr Fernandes ou Carlos Estevão sobre os mesmos temas — e crítica social era algo que Moliére já fazia em suas peças, 200 anos atrás. O que atraía os leitores era mesmo o retrato do homem como lobo do homem. O Amigo da Onça foi publicado durante mais de 20 anos ininterruptos em O Cruzeiro. Não era o único trabalho de Péricles, mas logo se veria o quão difícil era desvincular seu nome do personagem, ao contrário de repórteres como David Nasser e Jean Manzon, desenhistas de humor como Carlos Estevão ou escritores como Rachel de Queiroz, que transformaram seus nomes em grifes. Na década de 50, uma pesquisa de opinião indicou que O Amigo da Onça era a seção preferida, com margem de folga, entre os leitores, revista então lida em todo o país, ultrapassando a televisão e rivalizando com o rádio na penetração junto ao público. É apressado enxergar no Amigo um alter ego da personalidade instável de Péricles, boêmio inveterado — o que não o fazia diferente de inúmeros colegas de profissão. Esse tipo de hipótese clichê costuma ser levantada toda vez que se busca uma razão para o suicídio de Péricles Maranhão, ocorrido há 40 anos — como se houvesse razão num suicídio: fora incorporado pelo personagem. Matou-se para não matá-lo. Não soube lidar com a fama. Seja como for, Péricles manteve até os estertores o espírito gozador: no bilhete que deixou, após ligar o gás e fechar portas e janelas, lia-se: “Não risquem fósforos”. Como se houvesse razão no humor. O cartunista Carlos Estevão continuou fazendo as páginas do Amigo da Onça após a morte do companheiro. O personagem foi revivido pelo menos mais duas vezes de lá para cá, tentativas mal sucedidas em termos de audiência. Nesse ano, em que se completam 4 décadas da morte de Péricles, foi ao ar na TV Senac um documentário, com entrevistas de colecionadores, artistas e da viúva do cartunista. O site Memória Viva tem sido atualizado periodicamente com páginas digitalizadas e ainda que a expressão tenha perdido um pouco do prestígio, é possível encontrar amigos da onça em outras encarnações hoje em dia, inclusive virtuais (RAFAEL LIMA) – agosto 20, 2004 07 |
fonte: http://www.paralelos.org/out03/000475.html |
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