Com o sol a brilhar no infinito
O grito de “terra à vista” quebrou a monotonia da viagem e abafou o silvo constante do vento no cordame do navio trazendo alegria à tripulação.Finalmente iriam pisar em terra firme.
Na ponte de comando, orgulhoso, o navegante espanhol Vicente Yafiez Pinzon. Era fevereiro de 1500 e os marinheiros, que saíram três meses antes da Europa, avistavam as terras que depois de um batismo espanhol, tornar-se-iam conhecidas como cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Preparando-se para a aproximação em terras até então completamente desconhecidas, o capitão tomava seus cuidados de escolher uma boa praia, que não causasse danos nas embarcações, nem escondessem em seu interior nativos hostis. Preocupado com os deveres da navegação, Pinzon, que antes acompanhara, como piloto, Cristóvão Colombo em sua viagem de descobrimento da América, em 1492, não tratou de se empossar da terra, nem de registrar o feito como um descobrimento. Obedecia ao sinal vermelho do Tratado de TordesiLhas. Talvez não perseguisse a glória da descoberta -afinal esse título já o tinha ao lado de Colombo – mas o reconhecimento como um bom piloto, cuja excelencia no trabalho o destacava aos olhos dos poderosos financiadores de expedições marítimas nas difíceis tarefas de guiar navios pela imensidão do oceano Atlântico, no final de século XV e início do século XVI. Terra baixa com muito alvoredo junto ao mar Saindo de Palos, no Mediterrâneo, em dezembro de 1499, no comando de uma frota de quatrocaravelas, Pinzon viu, em pleno mar, os primeiros raios de sol de 1500 para, em seguida, ultrapassara linha do Equador. Os marujos buscavam sem que sequer o perce-bessem, o sol a brilhar no infinito, da imagemhoje cantada, com ufanismo, no Hino de Pernambuco. Assim, percorreram 240 léguas até, em fevereirode 1500, avistarem os sinais de terra: …à proporção que avnçava o navio,(a terra) se manifestava esplêndida aos olhos dos ousados navegantes, perplexos do mais indízel contentamento. Era o Brasil! Tinha em frente um promontório elevado, que deixava ver em seus flancos imensas, que se perdiam de vista. Era Pernambuco!… No promotório avistado, o navegante espanhol colocou o nome de Santa Maria de Ia Consolación, mais tarde, chamado pelos portugueses de cabo de Santo Agostinho, como está nas cartas náuticas do século XVI. Estava o navegador diante de Pernambuco, como o descreveu, em seu poema épico Caramuru, o frei José de Santa Rita Durão (1722-1784): A oito graus do equinócio se dilata Pernambuco, província deliciosa: A pingue caça, a pesca, a fruta grata, A madeira entre as outras a mais preciosa; O prospécto, que os olhos arrebata Na verdura das árvores frondosa, Faz que o erro se escuse a meu juízo, Pensando que ali foi o paraíso. O litoral de Pernambuco apresentava-se como sendo de “terra baixa, com muito arvoredo junto ao mar e parecendo alguns campos sem árvores”, como disse o cartógrafo Luís Teixeiraentre 1582-85, para quem o cabo de Santo Agostinho era o primeiro ponto na costa brasileira avistado pelo navegador procedente da Europa: …Virei corrrendo a costa para o norte e terei a aviso que se vir algumas barrreiras ao longo do mar em demanda ao Cabo de Santo Agostinho, vê- lo-ei cortado e lança-se ao mar e faz um focinho como de baleia, em cima dele o monte, redondo de alvoredo, como cerca. “Um focinho de baleia”, foi a imagem que ficou nas retinas daquele experiente cartógrafo, que esteve no Brasil entre 1573 e 1578, ao ver de seu navio a costa pernambucana. O litoral de Pernambuco apresenta suas terras baixas e férteis, onde, depois de conquistadas aos índios, se desenvolveu o cultivo da cana e da produção industrial do açúcar, alvo da cobiça de aventureiros, contrabandistas e invasores a soldo de nações hostis aos colonizadores Pernambuco, origem no mar Bravos, prontos a defender as terras onde perambulavam suas tribos nómades, os índios habitavam Pernambuco e é natural que lhes dessem nome. Havia entre eles antropófagos que, como registra Oliveira Lima, eram “caetés, tabaiares e potiguares, pertencentes à grande família tupi, cuja barbárie contrastava com a organização social dos povos fracos e pouco guerreiros que habitavam as costas areentas do Pacífico e os platôs dos Andes”. O nome Pernambuco vem do tupi Paranãpuka, que significa buraco de mar’, expressão com a qual os índios conheciam a foz do rio Santa Cruz, que separa a ilha de Itamaracá do continente, ao norte do Recife. Daí, caminhou para suas formas primitivas Perñabuquo e Fernambouc, já denominando o porto do Recife e fazendo-se presente nos mapas portugueses. Os rios São Miguel e São Francisco, no território da capitania de Pernambuco, aparecem no planisfério de Alberto Cantino, desenhado para o Duque de Ferrara, Hércoles D’Este, entre setembro e outubro de 1502. Paranã-puka: um buraco no mar Primeira visão – O cabo de Santo Agostinho e o primeiro topônimo pernambucano reqistrado em letra impressa, aparecendo na Lettera de Américo Vespúcio, editada em torno de 1506. Da mesma época são os mapas portugueses, os Kunstamanns II e III, que também assinalaram aquele cabo. Planisfério – O planisleiio atribuido a JorcJe Reinei, elaborado em Sevilha (Espanha), 1519, inclui o rio São Francisco, Santo Aleixo, Pernambuco e Fernão de Noronha. No Conjunto das cartas realizadas entre 1519 e 1522 atribuídas a Pedro e Jorge Reinei e conservado na biblioteca Nacional de Paris, há muitos registros de acidentes geográficos e localidades entre o Maranhão e o Uruguai. Lá estão anotados, no litoral pernambucano: rio São Francisco, rio Alagado, Serra de Santo Antônio, rio São Miguel, rio Segundo, rio Primeiro, Santo Aleixo, Cabo Formoso, rio Extremo (Jaboatão), Pernambuco. Nos mapas e planisférios, possivelmente elaborados entre 1525-32, atribuídos ao português Diogo Ribeiro, que trabalhou na Espanha de 1519 até sua morte, em 1533, aparece a palavra Pernambuco. Num deles, datado de 1527, tem a anotação: “aqui está uma feitoria del rei de portugal”, registrando a feitoria erguida por Cristovão Jaques, no lado do continente, em Itamaracá. 12 mil léguas quadradas Com esta carta, o rei de Portugal, D. João III, definiu o território doado a Duarte Coelho, constituindo a primitiva capitania de Pernambuco. As terras, segundo a Carta de Doação, iam de seu limite Norte, na metade da barra Sul do canal de Itamaraca – que o rei denominou como “rio” de Santa Cruz – ate cinqüenta passos além do local onde existira a feitoria de Cristóvão Jaques, até o extremo Sul, representado pelo rio São Francisco, em toda sua largura de extensão, incluindo todas as ilhas da foz até a nascente. Desta forma, o território da capitania projetava-se no rumo Sudoeste, acompanhando o São Francisco, ate alcançar suas nascentes no planalto Central do Brasil. Ao Norte, o rei estabeleceu uma linha para o Oeste, terra a dentro, ate os limites de sua conquista, ou seja, os definidos no Tratado de Tordesilhas (1493), isto ó, as terras situadas além das 100 léguas a Oeste das ilhas do Cabo Verde. O limite Leste era representado pelo oceano e as ilhas até 10 léguas “na frontaria” Na observação do historiador Francisco Adolfo Varnhaqen, a capitania possuia 12 mil léguas quadradas, sendo a maior área territorial entre todas elas. Isto porque as 60 léguas de testada que iam do litoral de Itamaraca até Alagoas, ultrapassavam em muito essa largura na medida que o rio São l”rancisro inclinava seu curso para o Sudoeste. Plantando uma nação O donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira, desembarcou no Brasil a 9 de março de 1535, para assumir suas posses, um dia antes de se completar um ano da doação das terras por D. João III. Cruzou o oceano sonhando em fundar uma nação. Rejeitou ser um mero explorador de riquezas, o que era comum entre a maioria aventureira e gananciosa dos que ousavam deixar o continente europeu em busca de outros mundos. Cuidadosos, o donatário e seus descendentes iriam conquistar aos palmos as terras que receberam em léguas, como registram historiadores. Destoando de outros colonizadores, acostumados com a presa fácil e a rapinagem nos mares da India, da China, do Japão, da Africa e do Oriente Médio, Duarte Coelho chegou para ficar. Trouxe consigo sua mulher, Brites de Albuquerque, e seu cunhado, Jerônimo de Albuquerque, além de muitos gentis-homens de sua parentela, alguns fidalgos e bons colonos , entre os quais André Gonçalves, que, como governador de Igarassu, morreria, atingido por uma flecha atirada por índios que cercavam a vila, em1548. Capital segura – Chegando ao Brasil, o donatário estabeleceu-se no extremo Norte de sua capitania, atraído pelos núcleos de colonização existentes no local, onde conterrâneos seus já estavam devidamente aclimatados com a região e convivendo com os nativos. Fixou-se no sítio dos Marcos, onde antes Cristóvão Jaques havia fincado marcos de posse da Coroa Portuguesa. Lá, como sonhara pretendia fundar uma colônia e implantar a agroindústria açucareira, desenvolvendo aquilo que imaginou sera Nova Lusitânia. O local escolhido, contudo, não se mostrou apropriado para o destino que lhe queria dar Duarte Coelho, por ser muito baixo. Era sujeito a alagações, transformando-se em mangue, deixando apenas algumas áreas secas, onde se poderiam construir residências e locais onde armazenar a produção. Duarte Coelho tentou estabelcer uma vila em Santa Cruz, na altura do canal do mesmo nome, entre Nova Cruz e Maria Farinha, não obtendo sucesso. Em 1535, orginária de uma proprie dade rural, foi estabecida a vila dos Santos Cosme e Damião, a primeira em território pernambucano, cuja igreja dos santos Cosme e Damião é hoje a mais antiga do Brasil. O donatário conquistou dos índios as terras vizinhas e as distribuiu entre os colonos que, a essa altura, já estavam habituados com os costumes da terra, como a caça e a pesca, além do consumo de milho e farinha de mandioca (à época chamada farinha de pau). Sua estratégia compreendia, num primeiro estágio, tomar posse da terra e nela produzir bens para subsistência das populações assentadas e, numa segunda etapa, estimular a produção de bens exportáveis. Um soldado da fortuna
Elevado à nobreza por seus feitos no Oriente, Duarte Coelho não nasceu fidalgo. Distinguido por D. João III, por atos de fidelidade e bravura, em 25 de janeiro de 1521, recebe seu escudo d’armas em 6 de junho de 1545. Embora muito citado pelos cronistas portugueses do século XVI, o donatário de Pernambuco é figura de passado nebuloso e ainda hoje cheio de interrogações.
Nem esses cronistas, tão preocupados com a origem das famílias, fazem qualquer menção a seus pais. Nascido no final do século XV, provavelmente em Miqaraia, então freguesia d’O Porto (Portugal), era filho ilegítimo de um certo Gonçalo Coelho, até hoje não bem identificado, como alerta Francis A. Dutra, baseado em documentos relativos ao período de 1475 a 1525. Ele ingressou na marinha portuguesa em 1509, engajando na esquadra de D. Fernando Coutinho partindo para a India. Por lá, ficou por cerca de 20 anos. Fama e fortuna – No Oriente, conquistou fama, fortuna e merecidos elogios pelos sucessos bélicos, destacando-se seus feitos na tomada da Malaca, quando derrotou forças navais chinesas. Também colecionou louros por sua atuação como embaixador de Portugal na Tailândia, ocasião em que se estabeleceu o comércio para os portugueses na Malaca. Durante sua presença na Asia, realizou três viagens à China, uma ao Vietnã, à India e à Indonésia, além de quatro outras à Tailândia. Em 1526, participou da conquista de Bitan, comandou a armada encarregada da “descoberta” de Cochin e do Vietnã do Sul, implantando rotas de comércio exclusivas para os portugueses. Retornando a Portugal, em 1529, dono de uma grande fortuna, é nomeado por D. João III embaixador junto à corte francesa, em substituição ao Dr. Lourenço Garces. Em Paris, demora-se apenas seis meses, voltando a Lisboa onde recebe o comando da Esquadra Real, em viagem de patrulha à fortaleza de Mina, na Africa, e à costa da Malagueta, seguindo depois aos Açores a fim de esperar a frota que vinha de regresso da India. Nobreza familiar – Entre 1529 e 1534, Duarte Coelho casa-se com dona Brites de Albuquerque, irmã de Jorge de Albuquerque, da alta nobreza portuguesa, que por duas vezes fora capitão da Malaca (1514-16 e 152 1-25). Os Albuquerque, sim, tinham origem. Em sua linha genealógica, descendem de D. Afonso Sanches, um filho bastardo de D. Diniz I, que esposara dona Teresa Martins, filha de D. João Afonso, primeiro conde de Barcelos e quarto senhor de Albuquerque. A família ganhou fama na segunda metade do século XV, através dos descendentes dos irmãos Gonçalo e João Albuquerque que se tornaram as mais importantes figuras na conquista da India e do Oriente. Nobreza de alcova – Assim, Duarte Coelho Pereira, “um soldado da fortuna”, como era chamado por seus contemporâneos, “recebendo de dote tão somente a linhagem nobre de sua mulher”, forma uma aliança das mais consistentes com os Albuquerques, que se tornaram seus fiéis colaboradores em Portugal. Seu cunhado Manuel de Albuquerque permanece junto à corte e ali cuidava dos interesses de Duarte Coelho, mantendo-o sempre bem informado. Em 10 de maço de 1534, por especial benesse do rei D. João III, Duarte Coelho se vê contemplado com 60 léguas de costa no Norte do Brasil, terra esta que se constituiria na capitania de Pernambuco, para onde trouxe a esposa e o cunhado, Jerônimo de Albuquerque, que foi o primeiro senhor de engenho da capitania, ao formar o Nossa Senhora da Ajuda, no vale do rio Beberibe.Era a origem dos Albuquerque em Pernambuco e de Pernambuco no Brasil. Capitania em expansão Na ausência de Duarte Coelho, Ficou no comando da capitania sua mulher, dona Brites de Albuquerque, que a todos tratava como Filhos, na visão de Frei Vicente do Salvador. Em suas tardas de governo, era auxiliada por seu irmão, Jerônimo de Albuquerque. Os dois Filhos do donatário, Duarte (que morreu na batalha de Alcacer-Kibir, na AFrica, em 4 de agosto de 1 578)) e Jorge Albuquerque Coelho (imortalizado no poema épico Prosopopéia, de Bento Teixeira, em 1601) haviam deixado os prazeres da corte de Lisboa e voltaram para Pernambuco, onde resolveram expandir os negócios canavieiros. Que eu canto um Albuquerque soberano Dá fé, da cara pátria firme muro, Cujo valor é ser que o céu lhe inspira, Pode estancar a lácia e grega lira. Luta com índios – Para isto, precisavam de espaço o que representava avançar nas terras dos índios. Tomando como aliados colonos da capitania de ltamaracá, os Albuquerques atacaram a mata Sul, levando seu domínio para além dos montes Guararapes. Nessa empreitada, mataram e aprisionaram índios caetés, destruíram ou se apoderaram de lavouras e benfeitorias. Depois, arremeteram-se mais ao Sul, ocupando os vales do Sirinhaém, do rio Formoso, do Una e do Manguaba, chegando ao São Francisco, onde Duarte, o segundo donatário, Funda a povoação de Penedo, a 30 quilômetros da Foz. Essa investida ao Sul deixou o saldo de várias povoações, depois transformadas em vilas, como a do Cabo, a de Sirinhaém, a de Porto Calvo, a das Alagoas e a de Penedo. Os grupos indígenas na região eram os potiguares, aliados dos Franceses, com quem negociavam madeira, peles e plumas de animais, os tabaiares, aliados dos portugueses desde o casamento de Jerônimo de Albuquerque com uma Filha do cacique dos tabaiares e os caetés, que devoraram D. Pero Fernandes Sardinha, o primeiro bispo do Brasil, ainda no século XVI, sendo por isso condenados à escravidão pela Coroa Portuguesa . Quando os brancos se estabeleceram e precisaram de braços para o cultivo da terra, passaram a escravizar índios, gerando a revolta que resultou em guerras. Essas lutas tiveram momentos de grande tensão, como o cerco a lgarassu, onde morreu por causa de uma Flechada o governador André Gonçalves, em 1 548, e as ameaças a Olinda, em 1 554. Os índios acabaram expulsos. Do litoral, porque Facilitavam o contrabando ao negociar com estrangeiros e mesmo com portugueses, com mercadorias cujo comércio era monopólio da Coroa Portuguesa; do interior, pelo domínio das terras propriamente ditas para nelas Fundar partidos de cana e implantar engenhos; e, Finalmente, mais a Oeste, na busca de ouro e pedras preciosas e na tentativa de escravizá-los. Honras no prelo
Bento Teixeira é o autor da primeira obra poética produzida no Brasil. Sua
Prosopopéia, escrita em Pernambuco entre 1585-94, foi publicada em Lisboa em 1601 com dedicatória a “Jorge Dalbuquerque Coelho, Capitáo e Governador de Pernambuco, nova Lusitânia”, numa produção da oficina de Antônio Alvares. Seu único exemplar conhecido encontra-se na coleção de obras raras da biblioteca da faculdade de Direito da universidade Federal de Pernambuco, no Recife. Foi “o primeiro escrito no Brasil a merecer as honras do prelo”, mesmo assim os versos de Teixeira só encontraram caminho na seqüência do relato do naufrágio que sofreu o homenageado, escrito como diário de bordo pelo próprio comandante da embarcação. Em meio desta obra alpestre e dura, Uma boa rompeu o ma inchado Que na língua dos bárbaros escura, Pernambuco de todas é chamada: De Pará, no que é mar, Puca, rotura, Feita com a fúria desse Mar Salgado, Que sem derivar, cometer míngua, Cova do mar se chama em nossa língua O poeta não experimentou a glória em vida; ao contrário: sofreu as privações e humilhações do cárcere e amargurou definitivamente seu coração com a desilusão da traição amorosa. Pobre e tuberculoso, morreu, em 1600, sem ver sua obra impressa. Amante de Pernambuco, como deixa escrito nos versos em que elucida a origem do nome do estado, sequer nasceu no Brasil. Aqui, entretanto, viveu suas curtas espe- ranças e fugazes alegrias. Raras emoções felizes a inspirar-lhe a obra que deixou. Passou por pernambucano desde que Diogo Barbosa Machado, em sua Biblioteca Lusitana, publicada em Lisboa, em 1741, declarou ter Bento Teixeira nascido em Pernambuco, num erro repetido ao longo de dois séculos. Somente em 1960, José Antônio Gonsalves de Mello, pesquisando no processo originário de Pernambuco de número 5206, do Santo Ofício (Inquisição) de Lisboa, verifica ser o réu um Bento Teixeira. Em seus diversos depoimentos, afirma o acusado ser natural do Porto (Portugal), de onde saiu com cinco para seis anos de idade, acompanhando os pais para o Brasil. Sua família fixou-se, inicialmente, no Espírito Santo, por volta de 1567, onde matriculou-se na escola dos padres jesuítas com os quais veio a continuar seus estudos na Bahia. Vida em Pernambuco – Em 1579, já tendo terminado seus estudos com os jesuítas, passou a morar na capitania dos Ilhéus, onde casou-se com Filipa Raposa. Anos mais tarde, em 1584, fixou-se na vila de Olinda, onde abriu uma escola para meninos. Por dificuldades financeiras mudou-se para a vila de Igarassu, em 1588, onde, além de mestre-escola, exerceu as funções de advogado, cobrador de dízimos e contador de pau-brasil. Pelos freqüentes adultérios de sua mulher, Filipa, viu-se obrigado a mudar-se para o Cabo onde, em dezembro de 1594, não mais suportando o comportamento da mulher, a assassina. Fugindo da justiça, vem refugiar-se no mosteiro de São Bento, em Olinda. Por essa época, chega a Pernambuco o visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendoça. Sendo cristão-novo, ou seja pessoa de origem judaica recentemente batizada pela Igreja Católica, Teixeira é denunciado por práticas judaiz antes.Preso em 19 de agosto de 1595, é embarcado, juntamente com outros réus, para os cárceres do Santo Ofício em Lisboa, onde, por mais de quatro anos passa por sofrimentos e privações. Libertado em 30 de outubro de 1599, aos 40 anos de idade, padecia de tuberculose. Estava pobre e só. Por motivos ignorados, volta à cadeia de Lisboa, conforme atesta o médico João Alvares Pinheiro, a 9 de abril do ano seguinte. De seu processo nada mais consta, a não ser esta anotação na capa: “É falecido Bento Teixeira e faleceu andando com a penitência em o fim de julho de 600” Ó sorte, tão cruel, como mutável, Por que usurpas aos bons o seu direito? Escolhe sempre o mais abominável Reprovas e abominas o perfeito O menos dignos, fazes agradável, O agradável mais, menos aceito… O frágil, inconstante, quebradiça, Roubadora dos bens, e da justiça.
(Prosopopéia)
Uma cinta de pedra Há 5 milhões de anos a natureza trabalha para formar a planície na qual se ergue a cidade do Recife. A baía onde ela se localiza estendia-se do cabo de Santo Agostinho, ao Sul, até as colinas de Olinda, ao Norte. As terras de aluvião, trazidas pelas enxurradas dos deltas dos rios Beberibe, Capibaribe, Tejipió, Jaboatão e Pirapama, ao longo do tempo, vieram formar a planície quaternária fincada entre as colinas terciárias e os arrecifes que detêm a fúria do mar. Os arrecifes de arenito descritos, do século XVI, pelo poeta Bento Teixeira como “a cinta de pedra inculta e viva”, foram a barreira natural que facilitou o assoreamento dos rios na antiga baía. Enquanto as ondas formavam praias e restingas, os rios cavavam passagens na terra, deixando ilhas, lançando seus braços à procura do mar. Contemplando a gestação da natureza, o manguezal, com suas raízes, tingia com o verde da terra firme as areias volúveis, sedimentando o solo e fixando os aluviões. Formava-se assim o Recife, tomando-se metade do mar, como disse o poeta Carlos Pena Filho. Plana e pronta – Foi esta a primeira paisagem, plana e pronta, vislumbrada pelo homem que chegou a Pernambuco no início do século XVI. Ambrósio Fernandes Brandão, em sua obra Diálogos das grandezas do Brasil, escrita em 1618, deixa essa imagem nítida quando o personagem Brandônio diz a Alviano que Olinda se localiza “Em uma enseada, da qual saem duas pontas ao mar; de uma delas forma o cabo tão conhecido no mundo por Santo Agostinho, e a outra se chama de Jesus, por nela estar situado um famoso templo dos padres da Companhia, chamado do mesmo nome”. A paisagem continuou a sofrer transformações. Pela mão do homem foram, através de inúmeros aterros, soldadas ao continente algumas ilhas. Umas permaneceram isoladas, até recentemente, como as do Retiro, do Leite, do Nogueira, de Thomas Coque, de Joana Bezerra, do Pina, do Maruim, de Joaneiro. Outras chegam como ilhas aos nossos dias, como a do Recife, de Santo Antônio, da Boa Vista, cujos contornos estão registrados nos mapas atuais. A outra metade, foi tomada à imaginação, como se vê no poema completo: No ponto onde o mar se extingue e as areias se levantam cavaram seus alicerces na surda sombra da terra e levantaram seus muros do frio sono das pedras Depois armaram seus flancos: trinta bandeiras azuis plantadas no litoral Hoje, serena, flutua, metade roubada ao mar metade à imaginação pois é do sonho dos homens que uma cidade se levanta. Quase quatro séculos antes, Bento Teixeira, descrevia Recife, como “um porto tão quieto e tão seguro, que para as curvas das naus serve de muro”. Ribeira do mar – Situada no cruzamento do paralelo a 80 3’ de latitude sul com o meridiano de 340 7’ de longitude oeste, a barra do arrecife, assim chamada no Diário de Pero Lopes escrito em 1532, veio a ser a “ribeira do mar dos Arrecifes dos Navios”, a que se refere Duarte Coelho em sua conhecida carta foral de 12 de março de 1537. Naquele tempo, Recife não passava de uma pequena povoação de mareantes e pescadores que viviam em torno da ermida de São Pedro Gonçalves, por eles denominada de Corpo Santo. Esta povoação, conhecida como Povo dos Arrecifes, quase que por teimosia, se fixara na ponta de uma estreita faixa de areia, cercada pelas águas do mar e dos rios que, por inúmeras vezes, tentaram dali expulsar seus moradores. Era o lugar do Recife, assinalado no mapa de João Teixeira Albernaz, “Carta da costa Leste do Brasil, entre a Vila de Olinda e Paço da Figueira”, no Livro que dá razão do Estado do Brasil, escrito em 1618. O porto – A importância do porto do Recife, no comércio com o norte da Europa é ressaltada em grande parte dos documentos do século XVI e início do século XVII, graças à importância econômica do açúcar que passara de gênero de alto luxo a produto de consumo de massa. Tal riqueza provocou a cobiça dos piratas e corsários, tornando presa fácil navios pequenos e mal armados como as caravelas. Há informações de que, entre 1589 e 1591, Portugal perdeu para piratas ingleses nada menos que 34 navios, em sua maioria procedente dos portos do Recife e da Bahia (Salvador). A situação piorava com o passar do tempo, tanto que em 1589, num período de nove meses, foram apreendidos por franceses e ingleses 73 navios carregados. Assim era o Recife até os primeiros anos do século XVII. Um porto por excelência, o de maior movimento da América Portuguesa, escoadouro principal das riquezas da mais promissora das capitanias: Pernambuco. |