:::::::::::::: MEMORIAL PERNAMBUCO :::::::::::::: A História, a Cultura e a Arte de Pernambuco para o Mundo! ::::::::::::::

O lugar do Encenador

Carlos Carvalho, um dos nomes mais expressivos do teatro contemporâneo em Pernambuco, inaugura espaço próprio, com montagem baseada em dois contos de Hermilo Borba Filho Por Luís Augusto Reis Existem países, sobretudo na Europa, onde os encenadores que obtêm reconhecimento pela qualidade e pela consistência de seus trabalhos são convidados a ocupar, como diretores artísticos residentes, os teatros geridos pelo Estado, e às vezes também alguns teatros privados. No Brasil, diferentemente, mesmo entre os criadores teatrais renomados, poucos conseguem conquistar a tranqüilidade de trabalhar por um período prolongado num local devidamente equipado onde possam desenvolver, ou aprofundar, uma proposta artística continuada. Embora se saiba que no campo da criação estética o acesso a boas condições de trabalho não seja garantia alguma para a qualidade dos resultados, é preciso perceber que um encenador sem um teatro à sua disposição – para ensaios, para experimentos e para a construção de um diálogo constante com seu público – assemelha-se, em certa medida, a um professor sem sala de aula, ou a um médico sem hospital, ou ainda a um chef sem restaurante. Portanto, não é surpreendente observar que, salvo uma ou outra exceção, os expoentes do teatro contemporâneo, dentro e fora do país, são artistas que trabalham, há muitos anos, em seus próprios espaços. No Recife, todavia, não é incomum um encenador ter que conceber um espetáculo sem sequer saber ao certo onde seu trabalho será apresentado. Por vezes, mesmo em montagens que se propõem profissionais, faz-se necessário improvisar locais de ensaio, em horários esdrúxulos e incertos. Além disso, em geral, os grupos só têm acesso ao palco do teatro em que cumprirão temporada dois ou três dias antes da estréia; e nessas poucas horas os encenadores mal poderão ensaiar: estarão mais preocupados em acertar a iluminação, o cenário, e as tantas outras questões técnicas próprias de uma produção teatral. Cansado dessa realidade, Carlos Carvalho, um dos artistas mais produtivos da cidade, decidiu se lançar de corpo e alma na criação de um novo local, onde pudesse dar vida a seus projetos. Assim, há alguns meses, alugou um antigo sobrado localizado na Travessa do Amorim, nº 66, no Recife Antigo, bem em frente à entrada do estacionamento do Paço Alfândega. “Este ano comemoro 40 anos de teatro, e esse lugar é o presente que sempre desejei. Não podia morrer sem ter meu próprio espaço de trabalho. Sei das muitas dificuldades que enfrentarei – meu contador fez de tudo para me dissuadir –, mas vou em frente, buscando parceiros e procurando contribuir para o teatro da região”, diz ele, orgulhoso de seu novo desafio. De pronto, ainda sem patrocinadores, e contando apenas com uma contribuição financeira (R$ 15.000,00) da Fundação de Cultura do Recife, tratou de iniciar a reforma do prédio, onde antes funcionavam escritórios comerciais, tentando, a despeito da limitação de recursos, dotá-lo da infra-estrutura necessária para começar a funcionar como teatro. No primeiro andar, além de um pequeno bar, encontra-se uma sala de espetáculos capaz de se moldar às necessidades de diferentes tipos de montagens, podendo assumir diversas configurações de platéia, chegando a acomodar em torno de 150 pessoas. No segundo andar, espaço para seminários, oficinas, palestras e aulas regulares de dança e teatro. Por causa desse perfil artístico-pedagógico, Carlos Carvalho resolveu batizar o espaço com o nome de Centro de Pesquisa Teatral do Recife – sem ligar para as inevitáveis comparações com o famoso Centro de Pesquisa Teatral (CPT), comandado há mais de 20 anos por Antunes Filho, sob os auspícios do SESC de São Paulo. Amparado pelo Sistema de Incentivo à Cultura da Prefeitura do Recife, inaugura seu Centro de Pesquisa com um espetáculo baseado na literatura de Hermilo. Dessa vez, adapta os contos O Palhaço e O Peixe, dois contundentes exemplares da brilhante produção desse autor palmarense, escritos na plenitude de sua maturidade artística, pouco antes de seu precoce falecimento, em 1976. Para essa nova produção, intitulada 2 x Hermilo, à exceção do premiado ator Gilberto Brito, Carlos Carvalho conta com um elenco de jovens atores, alguns deles revelados em cursos que ministrou recentemente. Como já acontecia em alguns de seus últimos trabalhos, a música, utilizada como um recurso épico, torna-se um elemento essencial da montagem. Mas as canções, desta vez, foram compostas por ele próprio, e arranjadas por Kleber Santana, que assina a direção musical do espetáculo. Mas as comemorações de seus 40 anos de carreira – 23 como encenador – vão além da enorme satisfação de poder inaugurar sua “nova casa”. Neste segundo semestre de 2006, Carlos Carvalho afirma ter recebido outro presente: foi convidado pelo Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) para dirigir a peça A Ratoeira, de Agatha Christie, um dos maiores sucessos de bilheterias do teatro mundial – em cartaz em Londres por muitas décadas, ininterruptamente. “Me sinto muito honrado pelo convite. Fazia tempo que o TAP não trabalhava com um diretor de fora de seus quadros. Foi para mim uma grande alegria e um precioso aprendizado poder trabalhar com atores como Geninha da Rosa Borges, Reinaldo Oliveira, Renato e Wanda Phaelante, e todo o elenco do TAP. Além de grandes seres humanos, eles são excepcionais no que fazem.” Assim, neste final de ano, o público recifense tem uma excelente oportunidade para conhecer melhor o trabalho desse importante criador do teatro local. Afinal, por meio desses dois novos espetáculos, tão distintos entre si, Carlos Carvalho revela um pouco mais de seus múltiplos talentos e reafirma, de forma madura, a amplitude de seu horizonte artístico. (Leia a matéria na íntegra, na edição nº 71 da Revista Continente Multicultural) Luís Augusto Reis é doutorando em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de

Pernambuco.