A americana que amava o Recife (Publicado em 17.06.2006)* A folclorista Katarina Real, que marcou época na cultura pernambucana nos anos 60, faleceu em Tucson, Arizona, aos 79 anos JOSÉ TELES
A folclorista e antropóloga norte-americana Katarina Real, 79, autora de dois importantes estudos sobre o carnaval pernambucano, faleceu, dia 6, no Hospital do Câncer, em Tucson, Arizona, onde morava. Katarina Real
marcou época na conservadora Recife dos anos 60. Loura, bonita, ela não hesitou em freqüentar os mais distantes subúrbios da Região Metropolitana e fazer amizade com seus moradores.
Tornou também o apartamento, no edifício Duarte Coelho, na Rua da Aurora, no qual vivia com o marido (também americano, um agrônomo, que fazia pesquisas no IPA) um ponto de encontro da intelectualidade local. Mas sua importância para a cultura pernambucana, e o Carnaval em particular, está não apenas nos livros que escreveu como também em ter chamado atenção dos estudiosos para esta riqueza até então muito pouco explorada.
Katarina Real nasceu em 7 dezembro de 1927, em Annapolis, Maryland, EUA. Bacharelou-se pela Universidade de Stanford, em 1949, fez mestrado em artes pela Universidade da Carolina do Norte, em 1961, quando veio para o Brasil, com uma bolsa da OEA (Organização dos Estados Americanos) para estudar na Bahia e concluir o doutorado. Antes de ir à Salvador, no entanto, Katarina Real decidiu visitar alguns amigos no Recife: “Um belo dia, encontro-me numa das salas coloniais do IJNPS (atual Fundaj) diante da mesa de Gilberto Freyre…Pelo fim da conversa, estava resolvido que eu ficaria no Recife, e que a pesquisa seria sobre o Carnaval de Pernambuco, e que eu poderia contar com o apoio não somente de Gilberto, como de todos do IJNPS. Enfim, meus amigos, se o nosso Gilberto não me tivesse pegado ‘pela mão’ naquele dia este livro seria intitulado ‘O Folclore no Carnaval da Bahia”, contou a antropóloga no prefácio à segunda edição de O folclore no Carnaval do Recife, relançado pela Editora Massangana, em 1990.
O historiador e jornalista Leonardo Dantas Silva conheceu Katarina Real em 1966, quando mantinha uma coluna, no Jornal do Commercio, sobre Carnaval: “Para mim, a importância de Katarina foi ter despertado o chamado pesquisador acadêmico para a cultura popular do Carnaval daqui. Ela não se limitou apenas às pesquisas, envolveu-se com os carnavalescos, tornou-se amigas deles. Foi Katarina, por exemplo, que ajudou a ressuscitar o maracatu Porto Rico do Oriente, que estava desativado. Chegou ao ponto de ser batizada filha de santo, por Eudes, personagem do seu livro O Rei do maracatu. Claro que cometeu alguns equívocos, como o de prever o fim dos maracatus o que, felizmente, não aconteceu. Mas Pereira da Costa também havia previsto isso bem antes dela”, comentários de Dantas Silva, responsável pela reedição dos livros de Katarina Real (ilustrados, inclusive, com fotos suas). Katarina Real foi também fotógrafa de competência comprovada, e responsável por uma importante iconografia do Carnaval recifense. É dela, por exemplo, uma fotografia clássica, em cores, de Maria Júlia do Nascimento (1886 – 1962), a lendária Dona Santa do Maracatu Nação Elefante. Parte do arquivo da folclorista encontra-se hoje na Fundaj. O pesquisador Evandro Rabelo, que intermediou a doação deste arquivo à fundação, conviveu com Katarina Real, como um dos integrantes da Comissão Pernambucana de Folclore, presidida por ela: “Na época eu morava em Campo Grande, Katarina chegou a almoçar lá em casa. Fomos amigos, até que comecei a discordar dela. Aquele livro tem algumas coisas que considero negativas, mas mesmo assim acho muito importante, porque antes não tinha quase nada escrito sobre o assunto”, comenta Rabelo, que lembra que a unanimidade da americana no Recife era alvo de algumas contestações: “Uma vez Katarina me perguntou se era verdade que diziam que ela era agente do governo americano. Respondi para ela que já havia escutado pessoas dizerem isto, mas não sabia se era verdade. Quem podia dizer se era fato ou não era ela, Katarina”.
O folclorista Roberto Benjamim, que também conheceu Katarina Real, ratifica-lhe o pioneirismo no estudo da cultura pernambucana: “Ela foi presidente da Comissão Pernambucana de Folclore e sob essa condição atuou junto a autoridades e imprensa para a valorização de manifestações carnavalescas pouco admiradas à época, como o maracatu rural e os ursos de Carnaval.
Era grande conhecedora da tradição dos maracatus de baque-virado, tendo escrito o livro Eudes, um rei de maracatu, sobre a trajetória de um dos seus amigos pernambucanos, o babalorixá e rei de maracatu José Eudes Chagas, um dos muitos portadores de folclore que foram seus amigos”. A amiga Cléo Brasileiro, que a conheceu no início dos anos 60 e tornou-se grande amiga de Katarina Real (que se hospedava em sua casa sempre que vinha ao Recife), conta que a ajudou com suas pesquisas, e se correspondia com ela: “A última carta foi há uns três meses, ela me contou da gravidade sua doença”. Roberto Benjamin ressalta que Katarina Real mesmo depois de voltar para os EUA continuou a divulgar a cultura Pernambucana: “Atualmente, na cidade de Santa Fé, no Novo México, Estados Unidos, o Museum of International Folk Art está exibindo uma grande exposição sobre o Carnaval no mundo, cuja parte brasileira foi organizada por ela e está focada no Carnaval do Recife e Olinda”.
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