Memorial Pernambuco – Cultura, História e Arte


A bandeira criada pelos revoltosos, inspiração da atual

Em quase todo o período colonial, Pernambuco teve uma formação acentuadamente patriarcal e aristocrática, onde havia praticamente senhores e escravos. Não havia ainda condições de uma classe média, dado o número insignificante de pessoas entre as duas classes acima.

No início do século XIX essa situação perdurava: havia grandes proprietários rurais (na maioria senhores de engenho), e grandes plantadores de algodão (que enriqueceram com a alta de preços internacionais provocada pela guerra entre os Estados Unidos e Inglaterra), comerciantes (portugueses e brasileiros) e a população pobre formada por escravos, pretos e mulatos livres.

Os plantadores de cana desejavam combater os comerciantes portugueses (seus credores e inimigos). Eles temiam uma revolução liberal pois identificavam a sua autoridade nas propriedades com o absolutismo do rei. Achavam que por trás do liberalismo defendido pelos maçons, estava a abolição da escravatura; os escravos ainda eram essenciais à prosperidade da agricultura que praticavam. 


Recife na época da revolução de 1817

Já se formava uma pequena burguesia comercial urbana, na maioria formada por portugueses, embora existem comerciantes brasileiros como Cruz Cabugá e Gervásio Pires, que desejavam a independência de Pernambuco, ambos imbuídos pelas idéias francesas. Grande parte dos oficiais nascidos no Brasil, embora alguns fossem filhos de portugueses, também tiveram que aderir a essas idéias liberais, uma vez que sentiam preteridos nas nomeações e promoções, pois os oficiais portugueses sempre eram contemplados, embora os brasileiros questionassem a capacidade e a lealdade dos estrangeiros.

Havia exceções como os Suassunas, os irmãos Manoel e Francisco Carvalho Paes de Andrade e outros. Mas a maioria dos donos de engenho e plantadores de algodão era, claro, contrário as essas novas idéias.

O comércio era desenvolvido principalmente em Olinda e nas vilas de Goiana e Recife, sobretudo nesta onde estava o porto.

Como se vê, já se começa a delinear um sentimento de patriotismo, de nacionalismo, embora não se desse conta.

O interessante é que entre os maçons, a maioria era constituída de padres, originário do foco das idéias liberais: o Seminário de Olinda, fundado pelo bispo D. José da Cunha de Azeredo Coutinho, em 16 de fevereiro de 1800, de onde saíram o padre João Ribeiro, o padre Tenório, padre Venâncio, o padre Miguel Joaquim de Almeida Castro, conhecido como padre Miguelinho e outros. Por causa do grande número de padres maçons e de padres liberais, se dizia que a Revolução de 1817 foi uma Revolução de Padres!

As idéias liberais eram vista com temor pelos donos de engenho e plantadores de cana, na sua maioria, e ignorada pela metade da população (escravos, pretos e mulatos livres).

A persistência dos privilégios – As contradições da política de D. João VI foram sentidas com particular intensidade no nordeste, onde os interesses colonialistas estavam mais fortemente enraizados. Os comerciantes portugueses, instalados nos principais portos nordestinos, continuavam tão monopolistas quanto antes, de modo que os lucros produzidos nas áreas rurais continuaram a se transferir para os comerciantes.

Em 1810 através de um tratado, a Inglaterra fixava em 15% o imposto de importação sobre mercadorias inglesas, enquanto os próprios portugueses eram taxados em 16% e os demais paises em 24%, tornando o Brasil ainda mais dependente, importador de manufaturados e essencialmente praticando uma agricultura de exportação, baseada na mão de obra escrava. Esse quadro se agravou por volta de 1817, com uma crise econômica que teve a sua origem na queda do preço internacional do açúcar e do algodão – principais produtos de exportação do nordeste.

Tensões sociais – Com isso afloraram as tensões sociais. Contra os comerciantes portugueses protestavam os grandes senhores rurais e toda a massa de homens livres não proprietários. Entretanto, essas duas últimas camadas sociais opunham-se ao domínio comercial português por motivos inteiramente diferentes: enquanto para os grandes senhores a questão era sobretudo política, pois aspiravam a autonomia do governo e à liberdade econômica, para os homens livres não-proprietários, era a sua própria sobrevivência que estava em jogo, pois o monopólio comercial português encarecia os gêneros de primeira necessidade. Por isso, tendiam a ser mais radicais e lutavam não só pelo fim do regime colonial, mas também esperavam alterar a própria ordem social da colônia em favor de maior igualdade entre seus membros.

O quadro ideológico – A Revolução de 1817, apesar dos fatores específicos apontados, não foi um acontecimento isolado. Ela se inspirou na corrente do pensamento iluminista e liberal, tal como acontecia, por esse mesmo tempo, com a luta pela independência na América espanhola e com as revoluções burguesas contra o Antigo Regime na Europa.

Nascido em 1752 e formado em medicina em Montpellier, na França, o padre Manuel de Arruda Câmara foi, no final do século XVIII, um importante propagador do pensamento iluminista em Pernambuco. O padre João Ribeiro, que iria participar da Revolução de 1817, era um de seus principais discípulos.

O Areópago de Itambé – Ao padre Arruda Câmara deveu-se, aparentemente, a fundação de uma sociedade secreta o Areópago de Itambé, em fins do século XVIII, com as mesmas características das lojas maçônicas que apareceram posteriormente. O Areópago de Itambé, como outras sociedades secretas, foi um centro de propagação de ideais anticolonialistas e, ao contrário da maçonaria, não admitia europeus em seus quadros.

A conspiração dos Suassunas – Expressando os ideais libertários em Pernambuco, ocorreu em 1801 a conspiração dos Suassunas, que, entre outras coisas, preconizava tomar Napoleão como protetor. Encontram-se aqui os germes da Revolução de 1817. Os principais líderes da conspiração foram os três irmãos, Francisco de Paula, Luís Francisco de Paula e José Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque, sendo o primeiro o dono do engenho Suassuna, nome pelo qual ficou conhecida a conspiração. Todavia, esse episódio é pouco conhecido, por não ter ultrapassado o plano das tramas e porque a devassa ocorreu sigilosamente, dada a importância dos implicados. A conspiração fracassou e a devassa ocorreu sigilosamente em face da importância dos implicados, sendo libertados os irmãos Francisco e Luiz, a 26 de maio de 1802. E apesar das repressões, a academia ressurgiu e o espírito de contestação continuou a ser difundido, ganhando novos adeptos. Mas o fracasso da conspiração trouxe conseqüências imediatas, como o fechamento do Areópago de Itambé em 1802, que, no entanto, ressurgiu em seguida com o nome de Academia dos Suassunas, cuja sede era o próprio engenho dos antigos inconfidentes de 1801. Apesar das repressões, o espírito de contestação difundido pelas sociedades secretas e pelo Seminário de Olinda não se desfez, ganhando, ao contrário, novos e numerosos adeptos.

A elite atuante – Formou-se por esse tempo uma elite atuante, formada no espírito do Areópago e disposta a colocar em prática as suas idéias. A fermentação revolucionária, que vinha do início do século, deu origem, em 1817, a uma conspiração inúmeras vezes denunciada. Dentre as figuras representativas destacavam-se o padre João Ribeiro, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada – ouvidor-mor de Olinda e irmão de José Bonifácio -, o erudito padre Miguelinho e o comerciante Domingos José Martins, que tramavam abertamente contra a opressão colonial. Domingos José Martins, ex-comerciante em Londres, homem de espírito prático, parece ter conhecido o célebre revolucionário venezuelano Francisco de Miranda, de quem se diz ter recebido influências decisivas. Participou ainda Frei Caneca, que se tornaria célebre ao liderar uma revolta contra D. Pedro I – a Confederação do Equador (1823 – 1824).

A Revolução de 1817 foi a primeira manifestação significativa que marcou a passagem do Brasil, do antigo sistema colonial português para uma nova perspectiva. Foi ainda a primeira tentativa de libertação política, que atenderia principalmente aos interesses das camadas dominantes e nacionais : a aristocracia rural, mercadores, militares e o clero.

Por outro lado, a mudança da Côrte para o Brasil em 1808, não provocara nenhuma transformação no panorama sócio-econômico do Nordeste. As tensões persistiam . De um lado, os monopolistas com amplos deveres; do outro, a junta da Real Fazenda que recorria à inábil política de empréstimos públicos para cobrir os prejuízos causados pela corrupção e pela venalidade. Além disso, a escassez da população de gêneros de primeira necessidade, agravada pela seca de 1816, ocorrida num momento desfavorável da conjuntura econômica, acelerou a crise. Pouco a pouco, pioravam as relações entre a aristocracia nativa e os antigos mercadores que articulavam o sistema colonial portugueses.

A Situação do Recife. Já dissera o bispo Azeredo Coutinho, fundador do Seminário de Olinda a 16 de fevereiro de 1800, onde ferviam idéias liberais: ” Nessa cidade pobre, as idéias estão crescendo. ” 

A miséria em Recife não era um fato estranho : fervilhava de mulatinhos livres, cujos pais, entretanto não encontravam emprego fixo e formavam a grande massa miserável do Recife.

O Recife era uma cidade insatisfeita, pelo mau governo, pela carestia de vida, pelos privilégios dos reinos. Mesmo nas tropas da guarnição, eram constantes os desentendimentos e brigas entre oficiais brasileiros e portugueses.
Tudo ocorria para a fermentação revolucionária que já vinha se desenvolvendo, cuja data do levante fora marcada para 8 de abril.

O Desfecho. O governo via toda essa movimentação dos sediciosos com muita inconsequência, apesar das inúmeras denúncias, até que em 6 de março de 1817, o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro resolveu agir, destacando o marechal José Roberto para deter os civis. No mesmo dia convoca-se para o dia 6 de março, na Fortaleza de Cinco Pontas, um conselho de guerra. O brigadeiro Barbosa de Castro e seu ajudante, tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti, encarregaram-se do setor militar da revolta, no qual encontraram resistência. Paralelamente, foram detidos vários líderes civis. Tomado de surpresa, o movimento poderia ter sido desmantelado. Contudo, a inesperada resistência do setor militar da rebelião e a firme decisão de um de seus líderes, o capitão Pedro Pedroso, fizeram o movimento triunfar. O governador Caetano Montenegro se refugiado numa fortaleza e capitulou com o marechal José Roberto. Sua vida foi poupada, permitindo-se a sua partida para o Rio de Janeiro.

Consolidada a revolução, foi formado um governo provisório baseado no sistema republicano, com nova bandeira. Dentre os princípios estabelecidos pela lei orgânica destacavam-se o da liberdade de pensamento ( É proibido a todos os patriotas o inquietar e perseguir alguém por motivo de consciência, e o de liberdade de imprensa ( sendo vedados, porém, os ataques à Igreja, à Constituição, etc). 

O governo provisório – No dia 7 de março de 1817 (portanto, no dia seguinte à inesperada resistência militar) os rebeldes formaram o governo provisório, constituído da seguinte maneira: Manuel Correia de Araújo como representante da agricultura; Domingos José Martins como representante do comércio; padre João Ribeiro, representando o clero; José Luís de Mendonça, representante da magistratura; Domingos Teotônio Jorge, representante das Forças Armadas.

Esse primeiro governo, formado pela elite colonial dominante, era secretariado pelo padre Miguelinho e auxiliado por José Carlos Mayrink da Silva Ferrão. Foi criado um Conselho de Estado, constituído pela elite intelectual pernambucana: Antônio de Morais e Silva, José Pereira Caldas, Deão Reinaldo Luís Ferreira Portugal, Gervásio Pires Ferreira e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Instalou-se, assim, um governo republicano; adotou-se uma bandeira; substituiu se o tratamento pessoal tradicional pelo de “patriota” e “vós”, numa consciente imitação da Revolução Francesa; elaborou-se, enfim, a Lei Orgânica.

A Lei Orgânica – As aspirações revolucionárias foram incorporadas à Lei Orgânica. Esse documento tratava dos seguintes itens, entre outros: liberdade de consciência (“É proibido a todos os patriotas inquietar e perseguir alguém por motivo de consciência”); liberdade de imprensa, ressalvando os ataques à religião e à Constituição; tolerância religiosa, muito embora a religião católica fosse reconhecida como oficial e seu clero “assalariado pelo Estado”. Os estrangeiros aqui estabelecidos que dessem provas de adesão seriam considerados “patriotas”; e o governo provisório duraria até a elaboração da Constituição do Estado, por uma Assembléia Constituinte, a ser convocada dentro de um ano.

Além do que ficou estabelecido na Lei Orgânica, várias outras medidas de caráter popular foram tomadas, como, por exemplo, a abolição dos tributos que oneravam os gêneros de primeira necessidade.

A propagação – A revolução pernambucana difundiu-se para outras regiões: na Paraíba, em 16 de março, a revolução triunfou sob a liderança de Amaro Gomes Coutinho. Em 28 de março, o senhor de engenho André de Albuquerque Maranhão venceu no Rio Grande do Norte. Ali, José Martiniano de Alencar – pai do famoso romancista José de Alencar – foi enviado como emissário para o Ceará, mas foi preso e conduzido a Salvador. O padre José Inácio de Abreu e Lima – conhecido como padre Roma – chegou à Bahia como emissário, mas foi preso e fuzilado pelo governador conde dos Arcos. Com a preocupação de obter apoio internacional, emissários foram enviados também ao exterior. Antônio Gonçalves da Cruz – vulgo Cabugá – e Domingos Pires Ferreira incumbiram-se de ir aos Estados Unidos pedir auxílio e oferecer aos comerciantes norte-americanos, por vinte anos, os gêneros de Pernambuco, livres de direitos; Félix Tavares de Lima foi mandado à Argentina, e o negociante inglês Kesner foi enviado à Inglaterra a fim de conseguir a adesão de Hipólito José da Costa, do Correio Braziliense.

Contudo, no dia 19 de março, a vila de recife amanheceu abandonada pelos revolucionários. Nessa fuga, o padre João Ribeiro acabou suicidando-se ( como Condorcet, seus inspirador). 

A repressão – A repressão tornou-se cada vez mais violenta. Um a um, os implicados foram sendo abatidos : uns arcabuzados, outros enforcados, outros enforcados. Na Bahia, tão logo se soube da rebelião, o governador D. Marcos Noronha e Brito, conde dos Arcos, montou a repressão por terra e por mar. D. João, por sua vez, dirigiu pessoalmente os preparativos da tropa a ser comandada pelo coronel Luís do Rego Barreto – futuro governador de Pernambuco. A onda repressora abrangeu Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba. Em Pernambuco, o bloqueio forçou a formação de um governo revolucionário de caráter ditatorial, com plenos poderes conferidos a Domingos Teotônio Jorge, a fim de resistir eficazmente ao assédio. Contudo, no dia 19 de maio de 1817, a resistência dos rebeldes foi quebrada.

As punições – As punições foram rigorosas: Domingos José Martins, José Luís de Mendonça e padre Miguelinho foram fuzilados em Salvador; no Recife, a comissão militar presidida por Luís do Rego Barreto condenou à forca Domingos Teotônio Jorge, José de Barros Lima, padre Sousa Tenório e Antônio Hemopos.

Em 1818, D. João ordenou o encerramento da devassa, libertando aqueles sem culpa formada. Os restantes 117 prisioneiros na Bahia, afinal libertos, foram anistiados após a Revolução do Porto (1820). 

Evaldo Cabral de Mello lança ensaio de história pernambucana No começo, chamava-se Nova Lusitânia, e os primeiros colonos a aportar no século 16 sonhavam em construir ali um prolongamento de Portugal. De Nova Lusitânia a Pernambuco, muita coisa mudaria. A capitania que, a princípio, fora fiel à metrópole, se transformaria, ao longo dos séculos, em verdadeiro pomo de discórdia da ordem colonial e de parte do período pós-Independência. Em “A Ferida de Narciso – Ensaio de História Regional”, o historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello, que escreve mensalmente no Mais!, investiga as razões pelas quais a região assumiu postura combativa em vários momentos de sua história, em relação à dominação holandesa (no século 17), na Guerra dos Mascates (no século 18) e, por fim, no processo que se iniciou na revolução de 1817 e terminou na Confederação do Equador (1824). Tudo começa quando o primeiro donatário de Pernambuco, Duarte Coelho, importa da Ilha da Madeira o modelo dos engenhos de açúcar. Para o historiador, Coelho desconfiava de que o sistema -implementado na ilha com características urbanas e mais democráticas-, ao se espalhar por uma grande área, como eram as terras de Pernambuco, poderia causar danos gravíssimos a outras culturas. Cabral de Mello apresenta o processo e suas consequências políticas e sociais. “Ao conjunto importado da Madeira, a única adição importante feita no Brasil foi a da senzala.” A partir daí, o livro resume a história de Pernambuco, mas foca em especial o momento em que o nativismo toma força na região. Isso teria acontecido depois da expulsão dos holandeses, em 1654. Cabral de Mello explica que o fato de Pernambuco ter até então se considerado um prolongamento de Portugal fez com que se criasse uma expectativa de que, depois de expulsos os holandeses, a província recebesse um tratamento especial da metrópole. Como isso não aconteceu, o nativismo teria tomado força e estaria na base dos movimentos revolucionários vindouros.

O historiador não concorda com a “acusação” de separatismo quando se fala dos movimentos revolucionários de 1817 e 1824. Acredita que esse conceito não cabia numa época em que o Brasil não se encontrava ainda estabelecido, senão formalmente. Para ele, o objetivo dos movimentos era o de instaurar um Estado de direito descentralizado, garantindo autonomia ao Nordeste.

(SYLVIA COLOMBO da Folha de S. Paulo)

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