Um dos ícones do pop pernambucano
ressurge mais de 25 anos depois
por Marcos Toledo
Depois da Ave Sangria, que comemorou 25 anos do surgimento no ano passado com um show memorável, outro ‘pássaro’ da música pop pernambucana dos anos 70 renasce, tal qual o mito da fênix, para brindar os fãs com um trabalho que entrará para a história. Os integrantes da Aratanha Azul, grupo que chegou a gravar um compacto duplo (em vinil), em 1978, pela antiga fábrica Rozenblit, estão novamente reunidos para montar um CD com o repertório que marcou época na cena local.
A Aratanha Azul surgiu em 1973, como uma espécie de banda de colégio. Thales Silveira (contrabaixista) e João Maurício (guitarrista) estudavam juntos no Colégio de Aplicação e eram aficionados por rock’n’roll. Zaldo Rocha Filho (tecladista) conheceu a ambos, de olho nas coleções de discos deles: a de Thales, dos Beatles, e a de João, dos Rolling Stones. Daí, para se juntarem e formarem uma banda foi uma conseqüência não mais que ‘supernatural’ – só para lembrar Carlos Santana.
Todos eram muito novos na época. O mais velho, João Maurício, tinha 18 anos de idade, seguido por Zaldo, 17, e Thales, 14. A bateria, inicialmente, ficou a cargo do colega Flávio Menezes, 15. Mas não por muito tempo.
Com a saída de Flávio, e já com a proposta de levar o projeto a sério, o trio inicial buscou outro baterista. Paulo Daniel, primo de Zaldo de apenas 12 anos, vivia “batendo lata para mim”, como lembra o tecladista. Fizeram uns testes e decidiram incorporá-lo à Aratanha.
Esta formação foi responsável pelos quatro anos de trajetória do grupo, e pelo ressurgimento, agora em 2000. “Paulo era tão pequeno que a bateria o encobria, junto com o cabelo”, conta o primo.
A estréia oficial do grupo se deu em outubro de 1974, durante a Semana de Arte do Colégio Padre Abranches. Apesar da sombra da ditadura estar sempre presente, era um período especial para o que se poderia chamar de a gênese da música pop pernambucana. Laílson e Lula Côrtes haviam lançado o Satwa, um ano antes; e o grupo Ave Sangria o LP homônimo, no mesmo ano. “A gente era fã do Ave Sangria”, afirma Thales.
Seguiram-se diversos espetáculos pela capital pernambucana e, depois, por outras cidades do Nordeste. Zaldo recorda que, antes de se apresentar, a Aratanha ensaiava pelo menos uns três meses. “Cada show tinha que ter coisa nova, porque a gente tocava muito no Recife”, explica Thales. As canções mostradas por várias escolas (São Bento, em Olinda; São Luís, no Recife, quando da inauguração da quadra de esportes) e teatros (do Parque; Valdemar de Oliveira), formaram um repertório com mais de 50 composições. Destas, apenas três contam com registro fonográfico – o compacto duplo Aratanha Azul, prensado pela Rozenblit em 1979, que traz ainda uma releitura do choro Escorregando, de Ernesto Nazareth. “As músicas eram super-censuradas, principalmente as que tinham relação com sexo, religião e drogas”, relembra Zaldo. “Numa delas, eu apenas falava a palavra ‘Deus’ e eles (os censores) não acharam adequado ao contexto”. *Zaldo Rocha, que além de tocar piano e órgão também cantava, revelou-se o principal compositor da Aratanha Azul. Quando da formação do grupo, ele havia chegado recentemente dos Estados Unidos – onde fizera um ano de intercâmbio – e se encontrava sob forte influência do que escutara lá fora (Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Beatles e Stones). “Eu havia parado e voltei a tocar piano. Curtia muito Rick Wakeman e o Yes também. Yes era ‘a’ banda. Mas eu curtia muito o piano de Chopin”, ressalta. A banda que mais influenciava a Aratanha, contudo era a Rolling Stones. Não apenas no aspecto musical, mas também no que dizia respeito a performance e cenários no palco. Em alguns shows, Thales e João iniciavam com um duo de violão. O Teatro do Parque era o local preferido, “a casa do Aratanha”, como define Zaldo. “Foram os melhores shows”, lembra. Além dos músicos da banda havia uma ‘galera’ de amigos que ajudava na produção, fazendo luz, cenário e espalhando cartazes pela cidade com um balde de grude. “No último ano (1978), a gente fez uma turnê até Salvador (passando por Maceió), com esses amigos, sem pagar nada”, conta Zaldo. O tecladista lembra que dois componentes da equipe de apoio viajavam em uma Kombi com toda a parafernália, enquanto os músicos seguiam de ônibus regular. “Como eu era aluno do Conservatório, gostava mais de tocar com piano (um modelo ‘de armário’). A gente andava o Recife todo com ele na Kombi. Uma vez, subimos o Pelourinho (na Bahia) com um piano de (meia) cauda”. Tamanha produção resultava, segundo Zaldo, João Maurício e Thales – que hoje vivem no Recife – em ótimo retorno por parte do público. “Em 1976, no aniversário da banda”, diz o baixista, “colocamos no Parque mais gente do que (Raimundo) Fagner, que se apresentou uma ou duas semanas depois”. No ano seguinte, eles viriam a tocar na primeira edição do festival Vamos Abraçar o Sol, ao lado de Cães Mortos e Flor de Cactus. Em 1978, gravariam o único disco da carreira, e dariam por encerrada a trajetória da Aratanha Azul. O (QUASE) FIM
Em janeiro de 1979, quando a gravadora Rozenblit colocara o compacto duplo da Aratanha no mercado, o grupo já não existia mais. Zaldo decidira ir estudar Música na Universidade de Campinas, onde permaneceria para cursar mestrado e doutorado em Lingüística; João Maurício, já formado pela Faculdade de Direito do Recife, seguira para a capital paulista onde faria mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo; e Paulo Daniel, pouco tempo depois, fora ao Rio de Janeiro – onde vive até hoje –, para trabalhar como músico. Thales continuara no Recife, ministrando aulas no Conservatório. A música, contudo, permaneceu o principal elo de ligação entre os amigos. Nos anos 80, João chegou a tocar com Zaldo em alguns festivais, interpretando inclusive frevos do conterrâneo Nelson Ferreira.
E foi com a volta de Zaldo para o Recife, em 1997 – João já havia retornado para lecionar na Faculdade de Direito –, que eles começaram a amadurecer a idéia de reativar o quarteto. Pelo menos para registrarem em CD o repertório da Aratanha e (quem sabe?) fazer um show de lançamento. “Era para comemorar os 25 anos da banda”, diz Zaldo. Paulo Daniel virá exclusivamente do Rio de Janeiro para este feito. A trupe entra em estúdio em janeiro de 2001.
Grupo procura resgatar sonoridade
que fez sua marca há duas décadas
Quem ouvir o compacto duplo Aratanha Azul, gravado em 1978, talvez chegue a pensar que a banda não era aquele ‘rock’ todo. Com o lançamento do CD (ainda sem título), os integrantes buscam dar uma noção mais próxima do que era o som do grupo. Mas, afinal, o que é ‘aratanha’? “Para nós, era um pássaro”, diz Zaldo Rocha. “Em tupi guarani (ará taén), quer dizer ‘dente de arara’. Também é o nome de um camarão (em Sergipe) e de uma montanha no Ceará, que aparece num livro de José de Alencar”. O dicionário cita ainda o nome como referência a um sapo pequeno (em Alagoas) e a uma vaca pequena (no Piauí). “Mas a gente usava ‘aratanha’ como um termo para qualquer coisa”, conta o vocalista. Na capa do compacto duplo, aparece uma figura humanóide seguida por serpentes e puxando uma imensa labareda. No centro da chama, o espectro de um pássaro azul formando um rosto; ao lado, aves negras e rochas que lembram caveiras. Proposta pesada que casa com o perfil que o grupo quer dar ao CD. “A gente era mais ‘peso’ que os (Rolling) Stones e mais leve que o (Black) Sabbath”, afirma João Maurício. “As baladas eram raras”. PLANOS – Até janeiro, quando pretendem entrar em estúdio, os músicos da banda estarão se dedicando a trabalhos paralelos. Thales Silveira e João participam da gravação do CD Antes Que Apague, com frevos compostos por Zaldo – que desenvolve o projeto de outro disco de pop, rock e funk intitulado Pesado Demais Para a Sua Cabeça, Leve Demais Para o Seu Coração. O mesmo Thales finaliza o CD da sua banda, Malavoodoo; João continua com o seu grupo de jazz, Companhia Gepeto; e Paulo Daniel também finaliza, no Rio de Janeiro, o primeiro disco solo da carreira. Ao todo, o CD da Aratanha Azul contará com 14 faixas, selecionadas entre 26 já pré-escolhidas. O critério, de acordo com Zaldo, é a “democracia”. Ele chega a reconhecer que algumas letras estão defasadas. “Mas a idéia é de revival”. As quatro faixas do antigo compacto talvez entrem como ‘faixas bônus’, mas isso ainda não está definido. Neste final de ano, o grupo realiza alguns ensaios para, logo no início de 2001, gravar as primeiras bases do disco, com guitarra, baixo, bateria e uma voz guia. Depois, os membros que vivem no Recife dariam o tratamento final, colocando as vozes e arranjos instrumentais definitivos. O lançamento deverá ficar para depois do Carnaval. (M.T.) fonte: http://www2.uol.com.br/JC/_2000/0411/cc0411_2.htm
Rock’n’Roll tirado do fundo do baú
Aratanha Azul, sucesso nos anos 70, entra em clima de revival com lançamento de CD e temporada de shows
Michelle de Assumpção Da equipe do DIARIO A década de 90, ao mesmo tempo que revelou a tendência da fusion music, tanto no pop local quanto nacional, deu espaço também para muitos retornos. Foi a década dos revivals dos 80, muitos dos quais reaparecendo sob o formato instrumental do acústico, como forma de fazer algo diferente. O interessante é que esse espaço poucas vezes foi aberto para um, digamos, dinossauro, para usar um termo que comumente se aplica àqueles que fizeram a alegria da moçada na década de 70. Eis que agora ressurge um trio das antigas, que chegou a botar mais gente no Teatro do Parque do que Fagner e Alceu Valença. Músicos que, ao mesmo tempo em que eram pegos pela censura de um lado, eram envenenados pelos comentários da comunidade artística pernambucana da época, que achava que para fazer protesto através da música, era preciso engajamento com a cultura local. Só que o que esse pessoal fazia, e faz até hoje, é puro rock’n’roll. O Aratanha Azul tocou no Recife e em algumas cidades do Nordeste (João Pessoa, Natal, Campina Grande,Maceió e Salvador) entre 1974 e 1978. Formada por Zaldo Rocha (compositor, cantor, teclado, harmônica e flauta), João Maurício (Guitarras, violão e vocais), Thales Silveira (contrabaixo e vocais) e Paulo Daniel (bateria) o grupo separou-se por motivos não pessoais. Cada um foi estudar num canto (Zaldo e João em universidades de São Paulo, Paulo, no Rio de Janeiro, Thales, depois, nos Estados Unidos) e o grupo deixou de se apresentar. O único registro de sua existência era um vinil compacto duplo com quatro faixas (três composições próprias e um arranjo do chorinho Escorregando, de Ernesto Nazaré). Trinta anos depois, todos de volta ao Recife, bateu aquela vontade de resgatar o passado. Desejo concretizado este ano, com o lançamento do CD De Volta à Terra. Só faltou o baterista Paulo Daniel, que não se ajustou à idéia do retorno e foi substituído por Ebel Perreli, professor do Conservatório, que participou do disco e estará nos shows a partir de agora. O disco do Aratanha, e não poderia ser diferente, traz as composições da banda que ficaram sem registro. Entre outubro de 74 a dezembro de 78, foram feitas cerca de 80 músicas. Na gravação das 15 canções desse acervo, ocorrida entre abril de 2001 a setembro de 2002, os músicos mantiveram as letras e arranjos e fizeram uso da tecnologia para extrair o melhor timbre de cada instrumento. “A gente não teve pressa, a coisa foi acontecendo no estúdio, foi um trabalho curtido”, conta Zaldo. Junto com os demais integrantes, ele agora está no ensaio para os shows. A ansiedade de mostrar as antigas músicas repaginadas é tanta que o público, formado por muita gente da geração contemporânea do Aratanha, não precisa esperar pelos shows para relembrar sucessos como Engatilhado (na época titulada de Roquíssimo), ou ainda Como os Aviões, uma balada romântica bastante reconhecida, O Último Trem, De Volta à Terra, entre outras. A banda faz uma festa de lançamento do CD hoje, às 21h, no bar Mercearia. O show que marcará o retorno do Aratanha aos palcos deve acontecer somente emmaio. Até lá, o grupo terá tempo não só de ensaiar, mas de ajustar-se como uma banda de rock’n’roll dos 70 inserida numa babel musical que instalou-se em Pernambuco nos últimos anos. Essa característica plural dos novos tempos pode ser bem positiva ao retorno do Aratanha. “Apesar de continuar existindo velhos guetos, o rock atual está muito carente porque tudo é mistura”, diz Zaldo. Na sua opinião, quem sabe um velho caminho não se torne um novo caminho? fonte: http://www.pernambuco.com/diario/2003/03/20/viver1_0.html