Memorial Pernambuco – Cultura, História e Arte

Navio Transatlântico é sequestrado
e aporta em Recife

O seqüestro que fez a imprensa brasileira
brilhar no exterior, 40 anos atrás

Paulo Liebert/AE

Por: Sílvia Herrera, a filha de Antônio Lúcio: notícia de um “furo” histórico

São Paulo – Há 40 anos, no dia 30 de janeiro de 1961, o jornal O Estado de S. Paulo dava um furo mundial: conseguia colocar o jornalista Miguel Urbano Rodrigues e o fotógrafo Antônio Lúcio a bordo do “Santa Maria”. O navio português, seqüestrado por um grupo anti-salazarista (contra o ditador Oliveira Salazar), estava escondido na costa brasileira, fugido da ditadura portuguesa. Este foi o primeiro furo internacional realizado por brasileiros, e que rendeu um Prêmio Esso ao fotógrafo Antônio Lúcio, meu pai.

O navio tinha “sumido” perto de Curaçau, no do dia 23, seqüestrado por Henrique Galvão e seus homens. A princípio a Marinha norte-americana acreditava que os rebeldes teriam ido para a África. Quando os militares norte-americanos divulgaram ter avistado o navio Santa Maria no Atlântico, perto da costa de Recife, a imprensa de todas as partes do mundo mandou seus repórteres para a capital de Pernambuco. Foram dias tensos. A Marinha norte-americana rondando nossa costa, sem presidentes – Jânio Quadros acabara de ser eleito, seria empossado no dia 31 de janeiro -, numa época na qual as telecomunicações eram precárias e os meios mais rápidos eram o rádio e o telégrafo, mesmo os interurbanos eram demoradíssimos.

Era final de janeiro, pleno verão em Recife, quando os repórteres chegaram armados com suas pesadas máquinas fotográficas, canetas e blocos. Lúcio e Miguel eram apenas mais dois deles, que chegaram no dia 29, para participar da corrida em busca do luxuoso transatlântico Santa Maria. Quem encontrasse primeiro o navio voltaria vitorioso para casa. A dupla tentou alugar um avião, nada; um barco, nada. Mas Lúcio, que adorava passar suas férias caçando e pescando no Pantanal, Goiás e imediações, tinha o dom de conseguir se entrosar em todos os tipos de rodas. E foi conversando com os pescadores no porto, no fim de tarde, pagando cachaça, que foi assuntando sobre o navio. Desafiava-os, dizendo que nenhum deles seria capaz de encontrar o navio, que deveria estar debaixo do nariz deles. Finalmente, um deles topou, ele sabia onde o navio estava. Só faltava agora Lúcio “convencê-lo”. Era o mestre Oscar Arthur. Sem alarde, combinaram a saída para às 23 horas. Confusão no cais

Nesse meio tempo, o correspondente do jornal em Recife, Morais Souza, fazia contato com Galvão pelo rádio para avisar que os dois jornalistas brasileiros embarcariam de noite para encontrá-lo no Santa Maria. O problema é que outros jornalistas estrangeiros descobriram a manobra brasileira e quase que o barco de mestre Arthur (o pesqueiro Saldanha da Gama) não sai. Na hora marcada, os brasileiros se dirigiram para a embarcação. O mestre demorou a aparecer, começou a confusão de jornalistas querendo embarcar juntos. Jornalistas americanos chegaram a oferecer US$ 5 mil para “repartirem” o furo. Os brasileiros não deixaram. Mas o pior estava por acontecer: quando o mestre chegou, já de madrugada, tinha mudado de idéia. Não queria mais levá-lo. Calmamente, Lúcio, que sempre andava “maquinado”, teve uma conversa final – de pescador mineiro para pescador pernambucano. “Você tem duas opções, ou nos leva até lá, ou nos leva até lá!!!”. Na época este fato foi omitido, mas revelado para amigos e familiares. Como quem tem juízo sempre obedece – e o calibre impressionava -, o pescador levou os dois repórteres até o Santa Maria. Os primeiros

Saíram às 3 da madrugada, do dia 30. Foram muitas horas de viagem até avistarem o Santa Maria às 10 da manhã. Só que o navio começou a fugir do pesqueiro. Perderam a embarcação de vista. Começaram nova busca, quando ao meio-dia, finalmente, o encontraram. E conseguiram embarcar às 14 horas, “sujos e estremunhados”. O Santa Maria estava a 28 milhas da costa, na altura do paralelo 16. Enquanto a dupla do Estadão embarcava no navio, um avião super-constellation da Marinha norte-americana sobrevoava o local. Os jornalistas foram recebidos com entusiasmo pelo ex-capitão Henrique Galvão (o seqüestrador), e deixaram que Urbano mandasse uma mensagem pelo rádio para a redação do jornal, em São Paulo. Que recebeu a notícia do primeiro furo brasileiro com muita festa. A bordo, Galvão saudou os jornalistas brasileiros pelo feito e adiantou que apenas 14 homens participaram dos acontecimentos da manhã do dia 23 , quando o navio foi seqüestrado. A tripulação não reclamou de nada, disse, e os passageiros, só da falta de ar-condicionado, que havia quebrado em Caracas, antes da ação dos rebeldes. Os aviões norte-americanos sobrevoavam o navio dia e noite, e um destróier norte-americano se mantinha próximo. “Vários passageiros aderiram o movimento de libertação. Os componentes do movimento usavam uniformes amarelos e boinas azuis com fitas verdes e vermelhas entrelaçadas. As armas são as mais variadas, desde garruchas e pistolas automáticas (antigas e modernas) a algumas metralhadoras… O navio atracará no porto do Recife, após a posse de Jânio, para desembarcar os passageiros”, Urbano descrevia em sua matéria em O Estado de S. Paulo, publicada no dia 31 de janeiro de 1961. Depois de muitas negociações, escoltado por três destróieres norte-americanos e uma corveta da armada brasileira, o Santa Maria atracou no porto do Recife no dia 2 de fevereiro, para desembarque dos passageiros. No dia 3, sem água ou combustível, Galvão e seus homens entregaram o navio às autoridades brasileiras. E o presidente Jânio Quadros concedia asilo político ao capitão Galvão e seus companheiros. Galvão ficou no Brasil e foi trabalhar no arquivo do jornal O Estado de S. Paulo, onde ficaria até a sua morte. Antônio Lúcio morreu em 29 de dezembro de 2000, vítima de um câncer de próstata, contra o qual lutava bravamente desde 1987. Tudo pela democracia Em 23 de janeiro, Galvão comandou o seqüestro do navio, com 871 pessoas a bordo, entre tripulação e passageiros. O líder da oposição política portuguesa, o general Humberto Delgado, estava refugiado no Brasil. Ele, rapidamente, pediu aos governantes da França e da Inglaterra para não interferirem na ação, já que era um assunto estritamente português. Por outro lado, o governo português pediu socorro também para a Inglaterra e para os EUA. Mas de qualquer forma, o objetivo de Galvão foi alcançado: chamar a atenção mundial para os problemas políticos que assolavam Portugal, que os anti-salazaristas não eram poucos e que queriam a democracia. O próprio Galvão foi expulso do exército por não concordar com a ditadura imposta por Salazar, tornando-se assim o braço direito de Delgado, que tinha sido exilado. Em 24 de janeiro, Galvão enviou seu primeiro recado, via rádio, para a NBC: “…Ocupei com forças meu comando, como primeira parte libertada do território nacional, o navio ´Santa Maria´, depois de breve combate pelas 1h45 da manhã. Tripulação aceitou fato consumado como ato político previsto no direito internacional marítimo e a maior parte dos passageiros considerarou entusiasticamente nosso ato… Passageiros e tripulantes pedem seja comunicado suas famílias estão bem e eu acrescento bem e livres. Não podemos revelar do nosso destino senão que abertas assim hostilidades contra governo tirânico Salazar procuramos atingi-lo. Objetivos políticos puramente democráticos portanto puramente antitotalitários contra todas as formas tirânicas governos povos. Pedimos não só apoio todos governos e povos verdadeiramente livres do mundo livre como também reconhecimento político esta parte libertada nosso território nacional presidida general Delgado, que povo português, por voto de maioria elegeu chefe de direito…” No dia 26, Portugal mandou a Polícia Internacional de Defesa do Estado (Pide) para Santos (SP), onde embarcaram no navio Vera Cruz. Os investigadores estavam à paisana e misturaram-se aos 350 passageiros. Só que o navio ficou retido 26 horas no Rio de Janeiro. A Marinha Norte-americana mandou aviões para Belém (PA) para localizar o Santa Maria. No mesmo dia, a base naval americana em Trinidad informava que o avião Neptune tinha avistado o Santa Maria a cerca de 900 milhas de Trinidad, rumando para África. Antes, ele teria sido avistado por um navio dinamarquês, “Vieke Gulka”. Chegava na mesma ilha a única fragata britânica a participar desta perseguição, a Rothesay. Além mar

Enquanto isso, em Portugal, a imprensa divulgava a versão de Salazar: “O que acaba de fazer o ex-português Henrique Galvão ultrapassa todas as marcas de uma traição a Portugal, porque é uma monstruosa traição a humanidade” (jornal Novidades); “Desde há séculos que estes mares das Antilhas têm sido valhacouto de ladrões do mar. …E todo este sangue se alastra nas mãos de Henrique Galvão, agora capitão de piratas, flibusteiro sem lei, corsário traiçoeiro e criminoso, ladrão do mar” (jornal A Voz); “Um bando de criminosos chefiados pelo famigerado Henrique Galvão apoderou-se do paquete “Santa Maria” (Diário da Manhã), entre outros.

fonte: http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/jan/26/332.htm

O ASSALTO AO “SANTA MARIA”

… Em Janeiro de 1961 deu-se o assalto ao paquete “Santa Maria”, incidente que na época notabilizou a contestação ao Governo de Oliveira Salazar, e introduziu a prática, depois muito difundida internacionalmente, de sequestrar navios e aviões com fins políticos.

O “Santa Maria” havia largado de Lisboa a 9 de Janeiro de 1961 em mais uma das suas viagens regulares à América Central, fazendo escala no porto venezuelano de La Guaira no dia 20. Entre os passageiros embarcados neste porto, contava-se um grupo de 20 membros da DRIL – Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação, organismo constituido por opositores aos regimes de Franco e Salazar, cujo comandante era o capitão Henrique Galvão, que embarcou clandestinamente no “Santa Maria” um dia depois, em Curaçau, com mais três elementos da DRIL. Galvão estava exilado na Venezuela desde Novembro de 1959, e em Julho de 1961 havia concluído os planos de assalto ao “Santa Maria”. Fora escolhido este paquete por ser muito superior aos diversos navios de passageiros espanhóis que na altura faziam a carreira da América Central. O capitão Galvão pretendia deslocar-se no “Santa Maria” até à colónia espanhola de Fernando Pó, no golfo da Guiné, cuja tomada permitiria em seguida efectuar um ataque a Luanda e iniciar, a partir de Angola, o derrube dos Governos de Lisboa e de Madrid.

Horas depois da largada de Curaçau, o “Santa Maria” navegava rumo a Port Everglades, na Florida, com 612 passageiros e 350 tripulantes, sob o comando do capitão da Marinha Mercante Mário Simões da Maia, quando, precisamente à 1 hora e 45 minutos da madrugada de 22 de Janeiro de1961, os 24 homens de Henrique Galvão tomaram conta da ponte de comando e da cabine de TSF, dominando os oficiais do navio. O terceiro piloto João José Nascimento Costa ofereceu resistência aos assaltantes e foi morto a tiro. Pouco depois, o “Santa Maria” alterou o rumo para leste, procurando alcançar rapidamente o Atlântico. A 23 de Janeiro, o navio aproximou-se da ilha de Santa Lúcia e desembarcou, numa das lanchas a motor, 2 feridos graves com 5 tripulantes, comprometendo a possibilidade de atingir a costa de Africa sem ser detectado. No dia 25, o paquete cruzou-se com um cargueiro dinamarquês, traindo a sua posição, o que permitiu a um avião norte-americano localizar o “Santa Maria” horas depois. Finalmente a 2 de Fevereiro o “Santa Maria” fundeou no porto brasileiro do Recife, procedendo ao desembarque dos passageiros e tripulantes. Chegou a ser considerado o afundamento do paquete, mas no dia seguinte os rebeldes entregaram-se às autoridades brasileiras, obtendo asilo político, ao mesmo tempo que o “Santa Maria” voltava à posse da Companhia Colonial de Navegação. Os passageiros do paquete assaltado foram transferidos para o “Vera Cruz”, que saiu do Recife a 5 de Fevereiro, chegando a Lisboa a 14 do mesmo mês, após escalar Tenerife, Funchal e Vigo. Por sua vez o “Santa Maria” largou do Recife a 7 de Fevereiro, entrando no Tejo, embandeirado em arco, a 16 e atracando a Alcântara… … Independentemente dos aspectos políticos que na altura rodearam o caso “Santa Maria”, este incidente acabou por fazer do navio o mais famoso dos paquetes portugueses. Embora o “Infante Dom Henrique” e o “Príncipe Perfeito” fossem mais recentes, o “Santa Maria” era um navio de prestígio por excelência, situação a que não era estranho o facto de ser o único navio de passageiros português a manter uma ligação regular entre Portugal e os Estados Unidos da América.

Coincidindo com o desvio do “Santa Maria”, deflagraram a 4 de Fevereiro, em Luanda, incidentes graves, seguidos, em Março, do começo da guerra no Norte de Angola. O Governo de Lisboa decidiu enfrentar a situação, enviando a partir de Abril ràpidamente e em força importantes reforços militares. Esta decisão implicou, de imediato, a requisição de diversos paquetes e navios de carga afretados pelo Ministério do Exército para efectuarem o transporte de tropas e material de guerra. A utilização esporádica para este fim de navios de passageiros portugueses vinha já do século XIX, passando a partir de 1961 a constituir uma das principais ocupações permanentes dos paquetes portugueses…

in Paquetes Portugueses de Luis Miguel Correia fonte:http://comm.no.sapo.pt/assalto%20sta%20maria.htm

fotos: http://navios.no.sapo.pt/santam.html