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Batalha dos Guararapes 4 |
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Surgem os defensores de Calabar
Em cada canto de Porto Calvo vão aos poucos surgindo vozes a favor de Domingos Fernandes Calabar. Elas nascem geradas por outras um tanto antigas e que há muito encamparam a batalha de revisar a história. Vozes como a do professor Audemário Lins, do padre Expedito Macedo e do empresário Carlos Roberto Barbosa. Não é uma luta nada fácil. Mas tem reconhecimento. Basta chegar em Porto Calvo e perguntar sobre alguém que fale sobre Calabar. O nome de um dos três será indicado, senão todos. E também tem sua recompensa. Ela vem na forma, por exemplo, dos estudantes Aldo Bosco da Silva e Paulo José, ambos nascidos e criados em Porto Calvo. Mesmo filhos da cidade, até há pouco tempo os dois rapazes acreditavam que Calabar era um traidor da pátria. “Aprendemos isso na escola. Está nos livros”, comenta Aldo. A mensagem impressa nas lições do primeiro grau durou até quando eles foram trabalhar na Farmácia Calabar, de propriedade de Audemário Lins. Gota a gota, o ex-professor foi mudando a mentalidade de seus funcionários. E conseguiu convencê-los. “A gente foi ouvindo o que ele falava e passamos a acreditar”, explica Paulo José. Vez por outra passavam o olho nas folhas do livro Calabar, O Herói Desconhecido, escrito por Lins e o convencimento aumentava. De posse das informações, os rapazes tentam passá-las para seus colegas de turma. Nem sempre ganham credibilidade. “O pessoal, muitas vezes, não acredita”, diz Aldo. E não é mesmo fácil crer em algo quando se passou anos ouvindo o contrário. É o caso de Alviane Patrícia da Silva, administradora de empresas. Ela é simplesmente bisneta de Pedro Valeriano Cavalcanti, um antigo poeta de Porto Calvo. Um homem que escreveu versos e versos defendendo e exaltando a figura de Calabar. Versos que se perderam no tempo. “Ninguém na minha família, a não ser minha avó, lembra disso. A gente aqui não dá importância a Calabar”, comenta Alviane. Parece ser verdade. Que o diga o padre Expedito, um verdadeiro entusiasta da causa Calabar Herói. “As coisas antigas sempre são muito nebulosas. Mas com o tempo estamos tornando-as mais claras”, analisa o padre. Ele diz isso com a experiência de quem faz palestras sobre o assunto quase todos os dias. Padre Expedito contabiliza um número considerável de pessoas que o procuram na casa paroquial de Porto Calvo para ouvir suas explanações. “O povo tem sido receptivo às novas idéias”, constata. Pelo menos ele garante que em sua frente ninguém duvida dele. “Em palavra de padre todo mundo acredita. Numa cidade de interior, padre é como doutor. Tem autoridade máxima”. Para os turistas, que procuram a cidade só como balneário ou como ponto de passagem, a conscientização fica por conta de Carlos Roberto Barbosa. Ele abriu o Cala Bar, um espaço cultural na BR 101, a três quilômetros do Centro de Porto Calvo. “Temos de recuperar a identidade de um dos nossos grandes mitos”, pensa Barbosa. No Cala Bar, as garçonetes são treinadas para responder qualquer pergunta sobre o controverso personagem, dando a ele a nova versão heróica. O interesse de Carlos Roberto por Calabar não é de hoje. Vem de mais de 20 anos atrás, quando ele integrava o Grupo Experimental Portocalvense de Arte (Gepa). Era os anos 70 e imperava a ditadura militar. “Falar de Calabar naqueles tempos significava ser convidado a bater um papo com a repressão”, lembra Carlos Roberto. O Gepa não só falava, como recitava poemas e representava peças teatrais sobre o personagem. Com Calabar no papel de herói e não traidor. Carlos Roberto recorda as vezes em que se viu frente a frente com senhores vestidos de verde-oliva. “Coloquei este nome no meu bar numa referência à peça Cala Bar de Chico Buarque de Holanda e Ruy Castro, proibida nos áureos tempos da censura por questionar o conceito do que na verdade seria traição à pátria”. Pouco a pouco, a disseminação das novas idéias vai tomando corpo em Porto Calvo. Além da farmácia e do bar, já surgiram uma hospedaria e um fórum com o nome Calabar estampado na fachada. Mesmo assim, nas 44 escolas municipais, mais de seis mil crianças e adolescentes de Porto Calvo ainda aprendem e fazem suas provas através dos livros que colocam Calabar na escória dos traidores. Se não houver um professor disposto a pelo menos plantar-lhes uma desconfiança na mente, eles passam um bom tempo achando que nasceram na terra de um personagem execrável, até encontrarem alguém alheio ao sistema escolar tradicional que os faça pensar diferente. Que esperanças tem Porto Calvo que sua luta dará certo? Poucas. Mas bem fundamentadas. O som das vozes da terra ultrapassou as fronteiras da cidade. Pelo Brasil já existem várias publicações resultadas de gente desconfiada que a história não é bem aquela. “Muitos historiadores acreditam na inocência de Calabar. Mas seus livros apenas criam a dúvida na cabeça dos leitores”, conta Audemário Lins. Mas o dele será diferente. “Quero afirmar, provar e não deixar as coisas no ar.” Fonte: Jornal do Comercio – Recife, 20 de abril de 1998 |
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