Memorial Pernambuco : História de Pernambuco

História do Recife
por Leonardo Dantas
    


Sítio do Chacon /acervo FJN

Arruando pelo Poço da Panela 

Esta cidade de Santo Antônio do Recife, apesar de inúmeros atentados ao seu patrimônio, ainda conserva verdadeiros testemunhos do seu passado, onde o tempo parece não ter obedecido aos ponteiros do relógio. Arruando por terras do antigo Engenho de Ana Paes (séc. XVII), no atual bairro da Casa Forte, o caminhante vai encontrar a Estrada Real do Poço, através da qual se chega ao Poço da Panela, uma espécie de santuário urbano com o seu casario e Igreja de Nossa Senhora da Saúde (séc. XVIII) a relembrar um tempo em que os banhos do Capibaribe faziam bem à saúde e eram parte da vida de toda a população.  Sobre a importância desta povoação chama atenção Evaldo Cabral de Mello para o relato do autor da Idéia da população da Capitania de Pernambuco, datado de 1778: Neste lugar do Poço da Panela são os banhos mais saudáveis deste país – as quintas (ou sítios, no idioma da terra) que ficam neste meio são aprazíveis, com muitas frutas, pomares de espinho, muita melancia, melão e hortaliça.  No Poço da Panela o viajante inglês Henry Koster registrou a mais antiga notícia da presença de um piano em terras pernambucanas. Chama ele a atenção para a utilização deste instrumento durante o novenário de Nossa Senhora da Saúde, em janeiro de 1810, sendo executado por uma senhora de um negociante e alguns instrumentos de sopro tocados por pessoas respeitáveis. A música vocal foi executada pelas mesmas pessoas, auxiliadas por alguns mulatos, escravos da senhora.  A paisagem deste trecho do Capibaribe, em 1817, também despertou elogios do viajante francês Louis François de Tollenare, que assim registrou em seu diário: É raro encontrar margens mais risonhas do que as do Capibaribe, quando se o sobe em canoas até o povoado do Poço da Panela. Ora são lindas casas de campo, cujos jardins e terraços avançam até o rio; ora belas planícies bordadas de mangues ou de plantações de mangueiras magníficas, de laranjeiras e de cajueiros. Há um lugar, um pouco acima de Ponte D’Uchoa, onde o leito do rio, até então bastante largo, parece perder-se sob um imenso caramanchão de verdura formado pelas altas palheteiras vermelhas, cujos ramos superiores se encontram ou estão ligados por cipós floridos, pendentes em guirlandas. Quando se entra sob esta abóbada crê-se penetrar no palácio encantado da deusa do rio. A limpeza das águas permite ver um fundo de areia pura, que toma um colorido verde-esmeralda escuro, do reflexo da folhagem, o cardeal, vestido de escarlate, e mil pássaros, adornados de brilhantes plumagens. Cardumes de pequenos peixes saltam em redor da canoa, miríades de caranguejos se arrastam sobre a margem, em busca de presa; o tatu escamoso, a cotia do focinho pontudo, mostram-se à entrada de suas tocas nos lugares mais elevados; tudo é animado em meio do silêncio, e experimenta-se uma frescura deliciosa; mas, todas essas belezas desaparecem ante o espetáculo das lindas banhistas…..  Este antigo balneário da aristocracia recifense tem a sua vida social retratada em romances de Mário Sette, que escreveu Os Azevedos do Poço; suas festas registradas em partituras de compositores do século XIX, como Francisco Libânio Colás; estando a luta pela abolição da escravatura fixada no imaginário popular, que não esqueceu as figuras de José Mariano Carneiro da Cunha (1850-1912) e de sua mulher, Dona Olegarinha. No local onde viveu o abolicionista e fundador do Clube do Cupim (que se destinava “à libertação dos escravos por todos os meios”), em 8 de outubro de 1884, o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano fez erguer, em 18 de maio de 1938, um monumento em bronze à sua memória, com o busto de José Mariano e um escravo com grilhões rompidos, um notável trabalho moldado pelo escultor Bibiano Silva.  Um antigo costume dos moradores da zona ribeirinha do Capibaribe, aqui se conserva desde os tempos remotos da colônia: as passagens. Assim são denominados os locais de travessia do rio, onde, através de um barco a remo, chega-se de uma margem a outra. 

A atmosfera que toma conta do visitante parece repetir a descrição do Poço da Panela, extraída da lira do poeta Olegário Mariano: 

Em remanso bucólico e sombrio  Onde atenua a marcha o grande rio,  Batem roupa, cantando, as lavadeiras.  Trago ainda nos olhos: é bem ela,  A paisagem do Poço da Panela.

Fonte:www.fundaj.gov.br