Memorial Pernambuco : História de Pernambuco

Batalha dos Guararapes 2
A Batalha em seu contexto histórico

por MANUEL CORREIA DE ANDRADE

A Reforma Protestante e as lutas na Alemanha, com rompimento de vários estados que compunham o Império Romano-Germânico, atingiram profundamente, no século XVI, a Espanha e Portugal. Unindo, inicialmente, a Coroa Espanhola e a do Império, Carlos V absorveu as divergências existentes entre os seus súditos e, ao morrer, transferiu-as ao seu sucessor, Felipe II. Havia, no século XVI, uma grande diferença econômica entre o mundo germânico e flamengo e o mundo ibérico, uma vez que, no primeiro, o feudalismo já entrara em decadência, e a burguesia urbana, tendo aumentado sua riqueza e poder, não queria mais permanecer sob o controle de soberanos absolutistas; comerciando no além-mar, com os países colonizados pela Espanha e Portugal, os burgueses passaram a ambicionar o controle dos territórios coloniais, produtores de matérias-primas. Com a morte do rei de Portugal, Cardeal D. Henrique, em 1580, sem deixar descendentes, a Espanha conseguiu que a coroa portuguesa passasse para Felipe II. Como a Holanda iniciasse uma guerra de independência com a Espanha e como Portugal estivesse na dependência desta, naturalmente ele passou a ser também visado pelas ambições flamengas. Dispondo de capital, os holandeses passaram também a financiar a instalação de engenhos de açúcar no Brasil, permitindo que o número de fábricas tivesse um grande crescimento, ao mesmo tempo em que estimulavam a ampliação de outras culturas, como o algodão e o fumo. Esse crescimento agrícola acarretou o crescimento do tráfico de escravos que era um dos negócios mais rendosos da época. Com o crescimento dos negócios, os holandeses, autorizados pelo governo português, passaram a fazer um comércio triangular: as suas embarcações viajavam até Lisboa carregadas de produtos industrializados, descarregavam e viajavam para as colônias portuguesas do Golfo de Guiné onde adquiriam escravos já aprisionados pelos régulos africanos e que eram trazidos para o Recife e vendidos aos senhores de engenho; daí retornavam à Holanda carregados de açúcar e de outros produtos da terra. Com a união de Portugal à Espanha, como a Holanda se encontrasse em guerra com esta, teve o seu comércio interrompido pelo governo espanhol causando-lhe grande prejuízo. Os holandeses, porém, estavam preparados para enfrentar as lutas que se seguiram e trataram de arregimentar mercenários na França e nos países da Europa Central e Setentrional, montando uma grande esquadra. Sendo comerciantes, os holandeses organizaram a Companhia das Índias Orientais para atuar no Oriente. Em 1621, os flamengos organizaram a Companhia das Índias Ocidentais para atuar na África e na América. A invasão holandesa foi feita com uma preparação segura; os flamengos mantinham contatos com habitantes de Pernambuco, sobretudo judeus e brabanteses que passavam informações detalhadas sobre as várias áreas, ou seja, a capacidade de produção, o estado das fortificações e dos efetivos militares. Um dos mais importantes informantes foi Verdonk (1949 – veja artigo neste carderno). Não se pode analisar a invasão holandesa em Pernambuco sem fazer referência à invasão da Bahia, ocorrida em 1624. Lá, os holandeses foram derrotados. Apesar disso, tiveram um grande lucro com a captura que fizeram de um carregamento de pau-brasil, açúcar, tabaco, algodão e outros produtos. A INVASÃO DE PERNAMBUCO – A invasão de Pernambuco ocorreria a 14 de fevereiro de 1630, quando a esquadra holandesa comandada pelo almirante Lonk, aportou em Pau Amarelo, ao Norte de Olinda, quase sem encontrar resistência, dirigindo-se para o sul, atacando Olinda e Recife, onde encontrou uma resistência heróica, mas pouco expressiva. Começava uma guerra, que duraria cerca de 24 anos e teve efeitos memoráveis de heroísmo, de covardia, de traições, de corrupções e crueldade. Ela pode ser dividida em três fases, a da conquista (1630/37), a da administração (1637/42) e a da insurreição (1642/54). No primeiro período os holandeses enfrentaram sérios problemas, apesar de sua superioridade bélica, pois encontraram pela frente um valoroso capitão, irmão do donatário de Pernambuco, Matias de Albuquerque. Weerdenburch, o comandante holandês, consolidou a ocupação do Recife e de Olinda e, em seguida, incendiou esta última para reduzir o território em que se concentrava e garantir o controle do porto, de onde recebia alimentos e reforços. Em 1631, realizou o seu primeiro ataque a Itamaracá. Entre os oficiais que acompanharam Pater, estavam duas figuras de generais, von Schkoppe e Artichofsky. Entre os que cerraram fileiras no Arraial estavam Martim Soares Moreno, Luiz Barbalho, o índio Antônio Felipe Camarão e o negro Henrique Dias. Em 1632, a situação mudou com a chegada de novos reforços holandeses e a deserção de Domingos Fernandes Calabar, um dos mais capazes capitães de Matias de Albuquerque. Calabar colaborou para os grandes sucessos que os flamengos passaram a ter na luta contra os luso-brasileiros. Os historiadores de então afirmam que Calabar teria traído os seus compatriotas mediante o recebimento de suborno, ou de que o teria feito por ter dado um desfalque no erário e temer a punição. Daí, então, o nome de Calabar passou a ser considerado como sinônimo de traição (veja matérias neste caderno). Há, porém, uma série de estudiosos que procura tirar esta mancha do desertor alagoano, dizendo que ele não traiu o Brasil e que, se vendo diante de uma dupla ação, continuar o seu país a ser colônia portuguesa ou tornar-se colônia holandesa, preferiu a segunda opção. “A partir de 1632, a situação holandesa melhorou consideravelmente, tendo vindo para o Recife dois altos conselheiros, von Ceuloen e Gysserlingh, para implantar uma administração que maximizasse a exploração da colônia e organizasse o território ocupado, que ia se expandindo com a conquista de novas áreas, como Igarassu, Rio Formoso e, em seguida, Itamaracá. A estas áreas seriam agregados o Rio Grande, a Paraíba, e o Cabo de Santo Agostinho. A resistência pernambucana começava a desmoronar e logo cairiam o Arraial do Bom Jesus e o Cabo de Santo Agostinho onde se situava o porto (Suape) por onde os luso-brasileiros se abasteciam desde a queda do Recife. Começaria, então, a grande retirada de Matias de Albuquerque, com seus soldados, parentes, amigos e liderados, para o sul, em direção ao São Francisco, fugindo ao jugo holandês. A desordem era geral, quem não acompanhava o exército luso-brasileiro se embrenhava nas matas à procura de segurança, os indígenas fugiam para o interior à procura de suas tribos e nações, enquanto os negros organizavam-se em quilombos, onde voltavam a viver à maneira africana. O mais famoso quilombo, o de Palmares, no norte de Alagoas, subsistiu à dominação holandesa e resistiu por mais de seis décadas às investidas que lhe foram feitas. Em Alagoas ocorreram as últimas grandes batalhas, de vez que as tropas trazidas por D. Luiz de Rojas y Borja, que substituía ao valoroso Matias de Albuquerque, não foram felizes, sendo derrotados na batalha de Mata Redonda, em 1636. Concluída a conquista, em 1636, iniciava-se, no ano seguinte, o período de administração holandesa, conduzida pelo príncipe João Maurício, conde de Nassau-Siegen, que perduraria por oito anos e daria um certo esplendor ao Recife e um pouco de paz à colônia. MAURÍCIO DE NASSAU – A chegada de Nassau ocorreu a 23 de janeiro de 1637, quando os holandeses já haviam conquistado uma expressiva parte do Nordeste brasileiro. Nassau se apresentava como uma figura que incutia grande ânimo aos holandeses e esperanças aos portugueses, que desejavam mudanças na conduta dos invasores. Ele vinha ao Brasil como um príncipe da Renascença, afeito ao uso da espada e à luta em campo aberto, mas vinha também como homem interessado nas ciências e nas artes. Em sua escolta não viajavam apenas soldados e funcionários, mas cientistas naturais, como Piso, astrônomos como Marcgraff, pintores, como Franz Prost, poetas e literatos. Com trinta e dois anos de idade, o príncipe alemão vinha curioso de conhecer o mundo tropical com suas surpresas, e sequioso de conquistar vitórias, riquezas, fama e fortuna. Trazia também grandes preocupações administrativas, pensando em organizar a colônia que os holandeses esperavam construir nos trópicos; para isto tinham um mandato de cinco anos que poderia ser prolongado. Inicialmente, procurou fazer-se respeitar pelos inimigos e pelos seus próprios comandados que viviam indisciplinados, fazendo tropelias e extorsões no território conquistado. Organizando-se militarmente, expulsou os luso-espano-brasileiros para o além São Francisco. Nassau considerou que o São Francisco, linha divisória entre Pernambuco, a Nova Lusitânia de Duarte Coelho e a Bahia, seria, por algum tempo, uma fronteira natural para a separação do Brasil holandês do hispânico. Nassau conseguiria estender o domínio holandês pelo Ceará e o Maranhão – ainda muito pouco povoado. A Companhia das Índias Ocidentais, com os seus monopólios e numerosos comerciantes, sobretudo judeus, desenvolveu as suas atividades mais no setor comercial, importando produtos da Europa e negros da África para serem vendidos aos senhores de engenho ou habitantes das cidades e exportando o açúcar e outros produtos da terra – fumo, algodão, couro, etc. Como a maioria dos senhores de engenho não dispusesse de capitais à mão, os comerciantes fizeram grande abertura de crédito aos mesmos, levando-os muitas vezes à falência por não conseguirem pagar as dívidas, em vista dos juros elevados que eram cobrados. Esta relação entre credores e devedores, acentuaria o desejo de independência e fortaleceria a Restauração Pernambucana depois da saída do conde de Nassau. O abastecimento alimentar era difícil, sobretudo para a população pobre, o que levou Nassau a determinar que os proprietários não cultivassem apenas os produtos de exportação mas também produtos alimentícios. Compreendendo que a convivência entre portugueses e holandeses era indispensável à sobrevivência da colônia, Nassau permitiu uma relativa liberdade religiosa; ao lado dos calvinistas, que tiveram grande pregadores no Recife, como Soler, conviveram, em sua capital, as sinagogas dos judeus – havia até uma na rua dos Judeus – onde pregou, entre outros, o rabino Aboab da Fonseca. Aos sacerdotes católicos foi permitido que dessem assistência religiosa, havendo até um sacerdote católico, frei Manoel Calado, autor de um livro muito rico em informações sobre o Brasil holandês, que conviveu com o próprio príncipe. A obra que traria maior fama a Nassau, porém, foi a construção da Cidade Maurícia, para ser a capital do Brasil holandês. Ao chegar ao Brasil, ele encontrou o governo holandês localizado no Recife, numa estreita península entre o oceano e o leito do Capibaribe, sem área contínua para a sua expansão. Achou que a colônia deveria ter uma capital melhor localizada. Nassau preferiu construir a sua cidade, a Maurícia, na ilha de Antônio Vaz, ligando-a ao Recife e à Boa Vista. Para isto mandou fazer um projeto de cidade semelhante à Amsterdam (veja matéria neste caderno), cortada por canais. Além deste palácio, dos canais, dos muros, do forte Ernesto e do casario, ele fez construir um outro palácio, o da Boa Vista, utilizado para descanso. No seu governo, o Recife cresceu a ponto de ficar bem mais importante do que Olinda; os seus planos de expansão abrangeram toda a ilha de Antônio Vaz – atuais bairros de Santo Antonio e São José – e, ao sul da mesma, construíram a fortaleza de Cinco Pontas. Graves problemas surgiram, a partir de 1640, quando os portugueses conseguiram restaurar a dinastia portuguesa, desvinculando o reino da União Pessoal com a Espanha e fazendo rei a D. João IV, duque de Bragança. Na guerra entre Espanha e Portugal os portugueses trataram de se aliar, na Europa, aos holandeses para enfrentar os espanhóis e, no Brasil, espanhóis e portugueses, que eram até então aliados, tornaram-se inimigos. Portugal, por sua vez, através de solicitações diplomáticas, procurou reaver terras conquistadas pela Holanda, mas Nassau, antes que o tratado entre os dois países fosse ratificado, tratou de expandir e consolidar suas conquistas. A Companhia das Índias Ocidentais, que era uma empresa comercial cujos acionistas estavam cada vez mais carentes de dividendos, preocupava-se com a queda de sua receita e pressionava a Nassau para que cobrasse as dívidas existentes em Pernambuco. Nassau, homem vivido e político experimentado, retardou o quanto pôde a cobrança, procurando agir de forma amena e a médio e longo prazo, sem executar os grandes devedores. Estes fatos e os incidentes ocorridos, levaram Nassau a solicitar a sua demissão, esperando, certamente, que ela não fosse aceita. Puro engano, a Companhia aceitou e passou o governo da colônia para um triunvirato formado por um comerciante, Hamel, um ourives, Bas, e um carpinteiro Bullestraten. A INSURREIÇÃO – Alguns historiadores afirmam que a revolta contra os holandeses iniciou-se com a retirada de Nassau; na realidade, porém, ela foi iniciada antes em 1642, no Maranhão, quando proprietários da Baixada se organizaram, tomaram os postos militares aí existentes e fizeram cerco a São Luís. Em Pernambuco, a insurreição iniciou-se quando os holandeses, abandonando a linha política de Nassau, iniciaram a cobrança das dívidas que muitas vezes eram superiores ao valor dos bens dos devedores. João Fernandes Vieira era um dos grandes devedores. Às primeiras suspeitas e denúncias chegadas aos holandeses sobre o andamento de uma conspiração, João Fernandes Vieira afastou-se do Recife e escondeu-se nas matas à espera do momento em que poderia se definir, e o momento não demorou a chegar, quando o governo da Bahia começou a autorizar as tropas que estavam acantonadas lá a se dirigirem para o território holandês. Assim, vieram as tropas de Henrique Dias, seguidas das de Felipe Camarão e ainda as de Martim Soares Moreno, apesar de bastante idoso, e de André Vidal de Negreiros, paraibano, filho de senhor de engenho. O governo holandês, surpreso, fez reclamações ao governador da Bahia, Antônio Teles da Silva, e este respondeu que não tinha autorizado o avanço de suas tropas e que Henrique Dias tinha se deslocado sem sua autorização para a margem esquerda do São Francisco e que ele havia mandado Felipe Camarão intimá-lo a retornar. É claro que os holandeses não aceitaram a explicação e já em 1644, estava deflagrada a “guerra da liberdade divina”. A primeira batalha, a mais expressiva, travou-se no Monte das Tabocas, próximo à Vitória de Santo Antão, onde os luso-brasileiros, a 3 de agosto de 1645, venceram o exército holandês, apesar da superioridade numérica. Esta vitória trouxe grande ânimo aos pernambucanos que já a 17 do mesmo mês venceriam novamente os holandeses no engenho Casa Forte, de propriedade de D. Ana Paes, cuja casa os holandeses haviam transformado em fortaleza. A guerra continuou favorável aos portugueses no interior e aos holandeses no litoral, onde uma esquadra comandada pelo Al. Lichtharsdt, destruiu uma flotilha portuguesa em Tamandaré. Em 1646, chegaram reforços da Holanda e o governo do Recife resolveu atacar a ilha de Itaparica, na Bahia, visando fazer com que o governo geral determinasse a volta de seus soldados a Salvador. Com o passar dos anos, a situação foi se definindo em favor dos luso-brasileiros que começaram a conquistar vilas, como Penedo e Porto Calvo. No ano seguinte, Itamaracá foi conquistada em quase toda a sua extensão, ficando os holandeses apenas com o controle do forte de Orange. Em 1647, finalmente, o rei de Portugal se definiu e enviou para Pernambuco Francisco Barreto de Menezes que assumiu o comando de todas as tropas insurretas. Com um comando único e a condução da guerra nas mãos de um militar profissional e competente, a situação holandesa piorou. Segismundo von Schkoppe, comandante do Recife e profissional experimentado, compreendeu que teria que tomar atitudes mais agressivas, de vez que a capital estava atravessando uma situação muito difícil quanto à segurança e abastecimento. Em abril de 1648, von Schkoppe resolveu romper o cerco, fazendo um avanço para o sul em direção a Muribeca, em plena área açucareira. Informado do deslocamento das tropas holandesas, Barreto de Menezes se dirigiu aos Montes Guararapes onde, após renhida luta, fez os flamengos retrocederem derrotados para o Recife, impondo-lhes a derrota na primeira batalha dos Guararapes, a mais importante, certamente, da guerra holandesa. Estavam a 19 de abril de abril de 1648. Manuel Correia de Andrade é historiador. Texto adaptado do livro “Pernambuco Imortal”, publicado em fascículos pelo Jornal do

Commercio em 1995

Fonte: Jornal do Comercio – Recife, 20 de abril de 1998

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