Memorial Pernambuco : História de Pernambuco Memorial Pernambuco : História de Pernambuco

História do Recife
por Leonardo Dantas
    


Porto do Recife / Acervo FJN

O ARRECIFE dos NAVIOS

O Recife é um arrecife.
Johannes Baers • 1630

“Um porto tão quieto e tão seguro, que para as curvas das naus serve de muro”, na descrição da Prosopopea (1601) do poeta cristão-novo Bento Teixeira, escrita em Pernambuco na segunda metade do século XVI, seria a origem humilde da povoação do Recife. Situada no cruzamento do paralelo, a oito graus e três minutos e 45,8 segundos de latitude sul, e do meridiano a 34 graus e 52 minutos e 14,8 segundos, de longitude oeste, a Barra do Arrecife, assim chamada no Diário de Pero Lopes de Souza (1532), veio a ser a ribeira do mar dos Arrecifes dos Navios, a que se refere o donatário Duarte Coelho Pereira em sua impropriamente chamada carta foral de 12 de março de 1537, uma minúscula povoação de mareantes e pescadores que viviam em torno da ermida de São Frei Pedro Gonçalves, por eles denominada de Corpo Santo. Era o Recife um porto por excelência, o de maior movimento da América Portuguesa, escoadouro principal das riquezas da mais promissora de todas as capitanias: Pernambuco. Tal riqueza logo despertou a cobiça da Holanda que, em guerra com a Espanha, voltou suas atenções para o açúcar, produzido por 121 engenhos e exportado através desse porto.  Em 14 de fevereiro de 1630, utilizando a maior esquadra que até então cruzara a linha do Equador, formada por 65 embarcações e 7.280 homens, os holandeses vieram se instalar na antiga capitania duartina, iniciando uma dominação que se estendeu até janeiro de 1654. Durante 24 anos, passou o Recife de povoação acanhada do século XVI e início do século XVII a capital do Brasil Holandês. Foi tanto o crescimento do primitivo Arrecife dos Navios, foram tantos os melhoramentos obtidos, particularmente durante o governo do conde João Maurício de Nassau (1637-1644), que, mesmo após a expulsão dos holandeses (1654), o Recife jamais voltou a depender de Olinda. O Povo dos Arrecifes era coisa do passado. O primitivo porto veio a ser disputado até pelos governadores que teimavam em ocupar o Palácio de Friburgo, construído pelo conde Nassau na primitiva ilha de Antônio Vaz, deixando de prestar assistência à sede da capitania, Olinda, motivando assim os reclamos junto ao rei de Portugal. A riqueza súbita dos habitantes do Recife, apelidados de mascates pelos naturais de Olinda, fez do antigo porto um núcleo de progresso, por vezes ofuscando a capital de Pernambuco e contrariando os senhores da terra. Fato notório para comprovação de tal progresso seriam as construções religiosas do final do século XVII, algumas delas hoje consideradas verdadeiras jóias de nossa arquitetura colonial. É deste período o início das edificações das igrejas dos Jesuítas (1655), Nossa Senhora da Penha (1655), Santo Amaro das Salinas (1681), Convento do Carmo (1667), Capela Dourada (1696) e Ordem Terceira do Carmo (1696), na ilha de Santo Antônio, que, juntamente com as igrejas de Nossa Senhora do Pilar (1680-86, restaurada entre 1898 e 1906) e Madre de Deus (1679), são testemunhos de uma época de fausto e riquezas. No governo de Sebastião de Castro Caldas (9 de junho de 1707 a 7 de novembro de 1710), o primeiro governador nomeado por D. João V, de Portugal, possuidor de nítido partidarismo em favor dos mascates, para desgosto dos olindenses e da chamada nobreza da terra, foi o Recife elevado à categoria de Vila. Com o nome de Santo Antônio do Recife, por carta régia de 19 de novembro de 1709, foi instalada a nova vila. No Largo do Corpo Santo (Bairro do Recife), foi erguido o pelourinho, símbolo do poder municipal, em 15 de fevereiro do ano seguinte (substituído por outro de maior porte, em 3 de março do mesmo ano). Logo foram escolhidos os primeiros vereadores de sua Câmara, aos quais caberia a administração municipal, não se devendo mais obediência aos vereadores de Olinda. A então Vila estava circunscrita às freguesias de São Pedro Gonçalves e Santo Antônio, área compreendida pelos atuais bairros do Recife, Santo Antônio e São José. Com o passar dos anos, através de aterros dos terrenos de alagados e de cursos d’água, foi o Recife crescendo em área. Somente em 1817, por provisão de 6 de dezembro, foram desmembrados do termo de Olinda o bairro da Boa Vista e a povoação de Afogados. Por resolução da presidência do Conselho, de 20 de maio de 1833, em obediência ao art. 3º do Código de Processo Criminal, foram unidas ao Recife as freguesias da Várzea, do Jaboatão e parte da de São Lourenço da Mata. Pela lei provincial n.º 117, de 8 de maio de 1843, foram separadas do termo de Olinda e incorporadas ao do Recife a freguesia do Poço da Panela e a parte da Boa Vista que ainda lhe pertencia. Em 1862, o município do Recife era composto pelas freguesias de São Pedro Gonçalves, Santo Antônio, São José, Boa Vista, Afogados, Muribeca, Poço da Panela, Várzea, Santo Amaro do Jaboatão e São Lourenço da Mata. O Recife foi elevado à categoria de cidade pela Carta Imperial de 5 de dezembro de 1823 e, por Resolução do Conselho Geral da Província, passou a capital de Pernambuco em 15 de fevereiro de 1827. Em 1873, pela lei n.º 1093, de 24 de maio, quando da constituição do município do Jaboatão, foi a este anexada a freguesia da Muribeca, até então pertencente ao termo do Recife. Pela lei n.º 1805, de 13 de junho de 1884, foi constituído o município de São Lourenço da Mata, sendo para isso desmembradas do termo do Recife as freguesias de Nossa Senhora da Luz e a de São Lourenço da Mata.  O município do Recife permaneceu com o seu território inalterado até 1919, quando, no governo de Manoel Antônio Pereira Borba, o Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco, pela lei n.º 1430, sancionada em 10 de junho de 1919, estabeleceu os novos limites com o município de Olinda. Por aquele diploma legal, estabeleceu-se uma linha divisória a partir da Fortaleza do Buraco, “do marco subterrâneo colocado na raiz do molhe que nasce no istmo de Olinda e limita a bacia do porto, por uma linha imaginária à Ponte da Tacaruna” [….] “até alcançar o marco divisório das propriedades Piaba e Jardim, próximo à margem do Rio Paratibe; sobem, em seguida, o curso deste rio até a foz do Riacho Cova da Onça, daí acompanhando os limites da propriedade desse nome até o marco do Córrego Riacho Seco, ponto terminal da divisória dos dois municípios”. No que diz respeito à titularidade de terrenos dos respectivos municípios que, em virtude do novo ordenamento jurídico, ficaram dentro dos limites do outro, em seu artigo segundo, a lei estadual n.º 1430 estabelece: Os terrenos que, atualmente, pertencem a um dos municípios [Recife e Olinda] e que por este ato passam para o outro, serão considerados ipso-facto entregues a cada um dos municípios para o qual foram transferidos, independentemente de mais formalidades, desde que for publicada a presente lei. Em 1928, a lei n.º 1931, de 11 de setembro, que trata da nova divisão administrativa do Estado de Pernambuco, estabeleceu em seu artigo 3º o acréscimo do território do município do Recife “pela anexação que lhe é feita dos distritos de Beberibe e do Arruda e os territórios do povoado de Coqueiral e de toda a vila de Tejipió, excetuada a parte denominada de Sycupira, os dois primeiros desmembrados do município de Olinda e os dois últimos do de Jaboatão”. O município do Recife possui, em nossos dias, uma área de 221 km2 e 471.000 m2 , estando localizado numa planície, formada pelas terras de aluvião trazidas pelo delta dos rios Capibaribe, Beberibe, Jiquiá e Jaboatão, bem como pelos constantes aterros realizados pela mão do homem ao longo desses últimos quatro séculos. Eis a paisagem dessa cidade-sereia, para usar a expressão de Gilberto Freyre, cortada pelos braços dos diversos rios, banhada por um mar de águas mornas, de coloração verde-esmeralda. O Recife tem seu centro urbano constituído por três ilhas: a do Recife, a de Santo Antônio e a da Boa Vista, as quais se interligam com o continente, através de pontes que são como braços a unir toda a cidade. A sua condição de planície tropical, refrescada pelos ventos alísios que nos chegam do Atlântico, sem registro de grandes temperaturas, estiada na maior parte do ano, com o eterno fascínio das praias de água morna, transforma a capital de Pernambuco num eterno convite para passeios a pé, nos quais o caminhante ganha as ruas sem maiores compromissos, gozando do cenário de suas pontes e da beleza dos seus monumentos, como a repetir os versos do poeta Ledo Ivo:  Amar cidades, só uma – Recife E assim mesmo com o vento amplo do Atlântico E o sol do Nordeste entre as mãos.

Fonte:www.fundaj.gov.br