O Recife hoje é uma das poucas cidades brasileiras a ostentar um mercado de sebos concentrado em um só local. A Praça do Sebo foi criada em 26 agosto de 1981, pelo atual Ministro do Meio Ambiente, Gustavo Krause, que na época era prefeito do Recife, e Edson Wanderley Neves, o titular da secretaria de Educação e Cultura. A iniciativa foi para acomodar os sebistas na rua da Roda, conferindo uma maior organização e “mais uma opção de lazer e cultura para a população”, como reflete a placa pendurada ao lado do pátio dos sebos.
Depois de dezessete anos convivendo com a má vontade dos donos de bares dos arredores – que a cada dia tomam o espaço dos sebos, sendo parados apenas por uma grade -, os sebistas estão passando por momentos de mudanças. A abordagem ao cliente está mudando e os fanáticos que passam horas fuçando os livros empoeirados estão cada vez mais raros. “As pessoas que gostam de livros estão morrendo e os jovens não gostam de ler. Meus cliente diminuíram muito, mas ainda é um bom negócio”, divaga Melquisedec, o sebista mais antigo da praça. A atividade, apesar da crise, está conseguindo se manter graças ao momento desfavorável do mercado editorial brasileiro. Explica-se: à medida em que os preços dos livros novos sobem, a procura nos sebos, onde são mais baratos, aumenta, inflacionando o mercado.
Essa situação também trouxe uma mudança no perfil do freqüentador de sebos que terminou ajudando os bolsos dos sebistas. As escolas, há alguns anos, vêm aumentando os pedidos de livros para os alunos, que partem para os sebos na tentativa de encontrar preços mais adequados à compra. “A situação está boa por causa dos livros didáticos. O maior problema é quando os livros ganham novas edições e as escolas exigem o livro atualizado. Isso obriga os alunos a comprar livros novos. Quando passarem três anos sem mudarem nada, aí vai ser ótimo para todos”, explica Severino Augusto, sebista há 16 anos, casado e pai de duas crianças.
Mesmo com esta alternativa de lucro, existem os donos de sebos que não admitem vender esse tipo de publicações, alegando que os livros didáticos ferem a pureza dos livros de autores. “Todos os intelectuais de Pernambuco passaram por aqui. O ensino está decadente e não vou contribuir para isso. Você não viu o livro escolar que saiu sem o mapa do Piauí? É o maior exemplo desta ignorância”, reclama Melquizedec, um dos últimos sebistas tradicionais do Recife. Mesmo sabendo que os livros didáticos poderiam representar aumento substancial nos lucros, ele se recusa a vendê-los.
A tecnologia, encarada por muitos como a salvação do comércio alternativo, é totalmente esquecida na área em volta da Praça dos Sebos, onde a procura é manual e cansativa, porém gratificante para muitos. “Daqui a pouco os livros vão ser extintos. Já tem uns disquinhos que rodam no computador e podemos ler e ouvir. São os tempos modernos que vão acabar com a cultura”, pragueja Gilberto Inácio da Silva, um dos fundadores da praça, no ramo há 28 anos.
Já Eurico Brandão, sebista que diz ser o autor do nome Rua do Sebo, aproveitou a Internet para criar um novo sistema de buscas virtual. “Eu sempre pensei à frente de todos. Eu aceitei uma barraca na praça para não pegar mal, mas logo passei para um empregado. Eu não sou pessoa de ficar parado, vendo a vida passar”, diz o proprietário de três livrarias de publicações usadas e possuidor de um dos maiores acervos do país.
PREFEITURA
A situação da Praça dos Sebos pode não ser desesperadora financeiramente, mas existem problemas que poderiam ser solucionados para facilitar o acesso da população e a vida dos sebistas. O maior problema é o esquecimento dos órgãos públicos, que não apoiam o centro de vendas, baseado no fato dos barraqueiros não pagarem impostos. “Precisamos de segurança e higiene. A administração dos sebos não existe e foi transformada em depósito. Se os donos dos bares pudessem, eles botariam as mesas até nossas portas”, fala Severino Augusto.
A prefeitura do Recife, que tem convênio até o ano 2001 com os sebistas, resolveu pôr a praça entre suas prioridades, requisitando um estudo que ficará a cargo da Emlurb. “Estamos repensando uma reforma de revitalização para oferecer ao públicos e aos sebistas as melhores condições. Mas os livreiros têm que contribuir”, adianta o diretor da assessoria técnica da Prefeitura do Recife, Cantalício Cabral.
A contribuição pedida aos sebistas é em relação a uma fiscalização maior entre eles, sobretudo para evitar a venda de produtos que não sejam permitidos. “Muitos sebistas são gananciosos e vendem água, bombons e outras coisas que não são permitidas pelo convênio”, denuncia Melquisedec. Severino Augusto acha que só a união dos proprietários pode melhorar a situção. “A categoria é muito desunida. Assim não vamos sair da crise”, resume.
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