Teatro: Caro para uns, barato para outros |
Profissionais de artes cënicas dizem que R$ 200 por apresentação inviabiliza acesso aos teatros maiores, que, por sua vez, alegam cobrar pouco FABIANA MORAES Falta de verba, ausência de público, bilheteria vazia. As companhias de teatro da cidade (cada vez mais escassas no âmbito profissional) penam para levar suas produções para os palcos – e um dos grandes entraves apontados pela maioria é o preço das pautas cobradas pelos espaços, sejam eles públicos ou particulares. O preço médio que cada grupo precisa pagar por cada apresentação é de R$ 200, mas há locais onde a pauta custa R$ 600, como é o caso do Teatro Santa Isabel. Enquanto isso, diversas salas menores estão fechadas por motivos vários: estrutura precária, reformas que se arrastam há anos ou simplesmente ineficiência administrativa são algumas das razões (ver matéria abaixo). Integrante da companhia Quadro de Cena, o ator e diretor Samuel Santos está com um espetáculo pronto (G’dausbbah, de Alexandre Santos) há alguns meses, mas só encontrou espaço para encená-lo no auditório da Livraria Cultura e na Associação Pernambucana de Letras. “Estamos parados, não temos onde nos apresentar. Passo em frente ao Santa Isabel e o vejo lá, fechado, é de doer o coração”, diz o ator, que foi recentemente selecionado para a final do concurso Mercadão Cultural para dirigir a peça A cantora careca, que será apresentada no dia 30 de agosto, no Rio. Segundo Santos, as companhias da cidade não têm condições de bancar o valor cobrado pela casa. A matemática é simples: em cada apresentação, é preciso pagar técnicos, elenco e, finalmente, o espaço. “Os grupos precisam ter cerca de R$ 1 mil para cobrir os custos de cada encenação”, diz o presidente da Associação de Realizadores de Teatro de Pernambuco (Artepe), Feliciano Félix. Para ele, os valores cobrados por apresentação inviabilizam produções que não têm patrocínio e dependem exclusivamente da bilheteria para continuarem na ativa. “É um círculo vicioso: sem público, não temos dinheiro para custear as pautas, e assim deixamos de nos apresentar”, continua. Produtor do grupo Arte em Foco, o também ator Amaro Vieira diz que cumpriu temporada com a peça A terra dos meninos pelados em dois teatros municipais, Barreto Júnior (atualmente fechado) e Apolo. Realizou 92 apresentações no total, entre 2002, 2003 e 2005. No primeiro teatro, teve que pagar cada apresentação. Hoje, o grupo está em fase de produção do citado A cantora careca (Samuel Santos, no caso, é diretor convidado). “Tínhamos que pagar pauta, mesmo depois de sermos escolhidos por licitação. É um valor que prejudica os grupos novos, que já não têm muito apoio. Hoje, há geralmente mais abertura para produções mais conhecidas”, diz ele. Foi justamente por conta do dinheiro curto que o encenador Flávio Renovatto decidiu abrir o Espaço Paralelas, em abril, na Manoel Borba. Detalhe: o local é a própria residência do rapaz e ainda abriga aulas de teatro. Em um exíguo espaço (cinco metros de largura por cinco de comprimento) onde cabem apenas 15 espectadores, ele e o grupo Produções Paralelas encenam as peças produzidas pela própria companhia (a exemplo de Casacalçadanecrofilia e O mais pesado dos pesos). “Quis me desvincular daquela história de sempre ter que esperar, do artista ficar batendo na porta”, diz ele. Em agosto, Renovatto, desta vez com a Companhia Teatro Dzugur, leva ao Teatro Apolo a peça Pás e picaretas, que estreou na cidade em 2005. Detalhe: eles não vão pagar um centavo pela pauta, já que o espaço foi cedido. Vice-diretor do Centro Apolo-Hermilo, Arnaldo Siqueira diz que o não pagamento de pautas é uma das características do espaço, voltado para a pesquisa e a experimentação. “Damos apoio integral para as companhias ou cobramos apenas 10% da bilheteria”, explica ele, informando que as temporadas no espaço são “loteadas” através da inscrição prévia das companhias, que passam por posterior processo de escolha. “Temos nos esforçado para minimizar ao máximo o trabalho dos produtores”, diz. Até mesmo a famosa caução cobrada pelos teatros (dinheiro que é deixado com a administração no ato de solicitação da pauta, devolvido no final da temporada) também não é cobrado pelo Apolo-Hermilo. “Este ano, tivemos apenas duas pautas pagas”, diz o diretor de programação do centro, José W. Júnior. É CARO MESMO? – Como poucos espaços podem oferecer o apoio integral oferecido pelo Centro Apolo-Hermilo, o jeito é cobrar cada apresentação para conseguir manter as salas – que, quando sucateadas, são alvos de críticas severas por parte da classe teatral. De fato, alguns valores são bastante acessíveis, a exemplo do Barreto Júnior e o Teatro do Parque. As peças apresentadas em ambos são escolhidas também mediante licitação. Quem passa pelo crivo da prefeitura tem temporada curta (um mês) garantida por um custo de R$ 100. “Sem a licitação e conseguindo vaga, o grupo precisa pagar R$ 200”, explica Albemar Araújo, gerente de Artes Cênicas da secretaria de cultura. Para ele, o valor cobrado não inviabiliza as companhias a apresentarem suas produções. “Nenhum teatro no Brasil cobra isso, a média é de R$ 600 em casas pequenas. O Parque tem mil lugares, é o maior teatro municipal da cidade. Cem reais é um valor irrisório, é uma maneira de incentivar”, comenta. Responsável pelo Teatro Arraial, gerido pelo Estado, Romildo Moreira diz que a pauta do espaço é de R$ 94 (R$ 1 real por cada cadeira). Isso para quem também passou pela licitação. “Quem consegue se apresentar no teatro é obrigado a cobrar preços populares, o ingresso sai por R$ 5”, explica. Diretora de um teatro particular, o Armazém (R$ 200 a pauta), Paula de Renor também julga baixo o preço cobrado pelos espaços, principalmente quando confrontado com os valores de manutenção de cada casa. “É caro para quem paga mas barato para quem está alugando e não tem nenhuma subvenção.” Criticado pela classe artística por conta do preço de sua pauta, o Santa Isabel vai continuar a praticar o preço que cobra há dois anos (R$ 600). “Cobramos R$ 1 real por cadeira, e o teatro possui 700 lugares. Ou seja, ainda baixamos o valor da pauta em R$ 100”, diz a diretora da casa, Leda Alves, que afirma: a casa só abre para grupos que tenham trajetória comprovada, leia-se companhias profissionais com espetáculos já amadurecidos em outros teatros. “Temos menos exigências com os artistas locais. Para quem vem de outros Estados, pedimos que o texto seja enviado antes, assim como fotos e críticas em jornais. Não pedimos tanto das companhias daqui.” Leda, que lamenta a atual produção dos espetáculos na cidade (“recentemente, fui ver uma peça, que não vou nem falar o nome, muito, muito ruim”), diz que a pauta do Santa Isabel é perfeitamente possível para quem tem um bom produtor e sabe fazer boa divulgação. “O teatro tem uma estrutura grande, são 54 funcionários para pagar, fora a manutenção do espaço. Não é possível cobrar um valor menor. Mas temos outros espaços, como o Apolo e o Hermilo. Compreendo que as companhias queiram se apresentar no Santa Isabel, mas é preciso ter pontuação para isso”, diz. Teatros menores poderiam ser opção Enquanto atores e produtores teatrais choram os valores das pautas de espaços de maior porte (ou fama), diversos teatros de menor capacidade da Região Metropolitana do Recife, que poderiam oferecer preços ainda menores que os praticados e servir de espaço para novas produções, encontram-se fechados. Curiosamente, a maioria deles está passando por reformas ou possui um projeto de recuperação de fôlego – ao menos, são promessas que encontram-se no papel e no discurso dos responsáveis pela gestão desses locais. Por mera falta de espaço, a reportagem do JC cita apenas 5 teatros nessa situação (Teatro da PM, dos Bancários, o espaço do Sítio da Trindade, o do Bonsucesso em Olinda e o Paulo Freire, em Paulista). Vários outros, no entanto, também encontram-se de portas fechadas, a exemplo do Clênio Vanderlei (na Casa da Cultura) e o Alfredo de Oliveira, espaço dentro do Valdemar de Oliveira. O mais precário de todos eles é sem dúvida o do Bonsucesso, interditado pela defesa pública. Construído nos anos 70, o teatro era um importante centro de convergência dos grupos teatrais, principalmente aqueles que não contavam com subvenções para montar espetáculos. Hoje, os riscos de um possível desabamento são tão prováveis que o local não é aberto nem mesmo para ser fotografado. “Toda a estrutura de madeira está danificada, assim como as cadeiras também”, diz o responsável pela recuperação do teatro, Emanuel Almeida, que realizou o projeto de melhoria (aliás, quase uma reconstrução) do espaço. É preciso refazer (e construir) banheiros, bilheteria, camarins, aumentar a altura da caixa cênica e construir um urdimento (estrutura sobre o palco que sustenta o equipamento cênico). “Como o palco também é muito alto, será preciso recuperar a curva de visibilidade da platéia”, comenta Almeida. Todo esse trabalho vai custar cerca de R$ 200 mil, segundo o secretário de cultura de Olinda, João Falcão. “Aguardamos a liberação de emendas parlamentares que destinam verbas específicas para o teatro”, diz ele, adiantando que o teatro Fernando Santa Cruz será transformado em cine-teatro. Apesar de estar em bem melhor situação, o espaço estilo arena localizado no Sítio da Trindade também está parado. Todas as atividades cênicas que poderiam ser realizadas ali estão acontecendo dentro do próprio sítio, segundo a responsável pela gestão do espaço, Prazeres Barros. O teatrinho, no entanto, não está interditado. “Como viramos um ponto de cultura, vamos fazer uma reforma no local”, diz Prazeres. Administrado pela Polícia Militar de Pernambuco, o teatro existente no Quartel no Derby tem capacidade para 500 pessoas e foi fundado nos anos 30. Há mais de cinco anos não recebe nenhum espetáculo. “O espaço vinha sendo utilizado para reuniões internas. Mas há mais de seis meses que nem mesmo esse tipo de evento é realizado lá”, diz o tenente-coronel Edén Vespasiano, lembrando que era ali que diversas companhias se apresentavam na época em que o Teatro Valdemar de Oliveira pegou fogo (19 de outrubro de 1980). Segundo Vespasiano, o teatro onde ainda existe um afresco de Di Cavalcanti – obra que recebeu generosas camadas de tinta óleo por cima – precisa passar por uma reforma total nas cadeiras, no palco e na parte elétrica. Em Paulista, o Cine-teatro Paulo Freire é outro exemplo de boa estrutura relegada ao vazio. São 400 lugares que, de acordo com a secretaria de cultura local, há mais de um ano não são ocupados. Lá, a reforma começou, mas o trabalho hard (recuperação da estrutura, palco, mudança de piso) ainda está esperando o processo de licitação. Atualmente, apenas um sistema de refrigeração novo está no teatro esperando ser instalado. “Trouxemos tudo de São Paulo, foi onde conseguimos melhor preço”, assegura o responsável pela pasta de cultura e turismo de Paulista, Márcio Rodrigues. Uma das etapas da recuperação (também orçada em R$ 200 mil) inclui a instalação das bases de som e iluminação acima do palco (que não tem urdimento), recuperação de fachada e dos camarins, troca do piso e novos equipamentos de som e luz. Um detalhe que não pode deixar de ser observado é o novo forro. Vindo dos Estados Unidos, ele é feito de fibra mineral, tem ótima capacidade acústica e é motivo de orgulho da administração. Mas as placas colocadas há apenas três meses já estão se soltando do teto. BANCÁRIOS – O Teatro dos Bancários, na Manoel Borba, tem 500 lugares hoje ocupados por freqüentes reuniões de partido, assembléias e conferências. Fica o uso apenas como auditório. O presidente do sindicato, Marlos Guedes, diz que o local já começou a ser reformado. Inaugurado nos anos 80, o espaço passa por uma adequação de palco (muito alto em relação à platéia) e ganhou saídas de emergência, antes inexistentes. “Vamos reabrir na primeira semana de agosto, e oferecemos pauta tanto para ações culturais dos próprios sindicalizados quanto para grupos menores que não têm tanto apoio.” O preço da pauta no local? Atualmente, R$ 50 a hora. O valor provavelmente será reajustado em agosto, mas já é um alento para quem vive com Shakespeare na cabeça e o bolso vazio.
Fonte: Jc Online (
Publicado em 09.07.2006)