O valor da arte em Pernambuco
Fernanda d’Oliveira
Da equipe do DIÁRIO
Ruim das pernas. É assim que o mercado de arte pernambucano vem se comportando
atualmente. Pelo menos para boa parte dos marchands. Claro que há os que não
reclamam: são aqueles que vendem parte dos quadros ou esculturas para fora do
estado. Dentro de Pernambuco, os marchands apontam uma redução de 50% das
vendas. Mesmo assim, a situação é vista como transitória, porque o comércio de
artes plásticas existe há pouco tempo – as primeiras galerias, no Rio de Janeiro e São
Paulo, só vieram surgir por volta de 1950. Em Pernambuco, os artistas e marchands
trabalhavam de forma amadora, com apresentações de quadros em lojas de decoração
ou em festas de socialites até a primeira metade da década de 60. Só em 1968 é que
Carlos Ranulpho abriu a primeira galeria, de forma profissional, no Recife, por trás do
cinema São Luiz.
Nestas três décadas, a Ranulpho Galeria de Arte cresceu, mudou-se para Boa
Viagem, abriu uma filial em São Paulo – hoje transformada em escritório porque,
segundo Ranulpho, o mercado paulista exigia muito sua presença, mas ele não
desejava abandonar a galeria no Recifed. É ele um dos privilegiados, um dos que
afirmam que o mercado de hoje está indo bem. “Estamos num período de
estabilidade, com as pessoas podendo se programar e comprar quadros a curto ou
médio prazo”, afirma. Sua clientela é formada por colecionadores e pela classe média
alta. “São pessoas que não têm a pretensão do crítico de arte, mas que gostam de
meia dúzia de quadros para compor sua casa”, define.
Segundo ele, os pintores de venda sempre garantida são Vicente do Rego Monteiro,
Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres, Reynaldo Fonseca e Wellington Virgolino. “Mas a
clientela mudou. Muitas pessoas deixam de comprar por falta de espaço em suas
casas. Aparecem novos clientes, os descendentes dos primeiros compradores. Hoje
vendo para a terceira geração, neta de meus primeiros clientes. Por isso, não vejo a
crise como intensa. Se reduzo as vendas em Pernambuco, compenso com a do resto
do país”, ensina.
Para Augusto Rodrigues, marchand há22 anos, com a sua Rodrigues Galeria de Arte,
o mercado de arte em Pernambuco atravessa uma crise que atinge a classe média. “Há
uma redução acentuada da compra de arte. Dentro de um patamar médio de cotação
do artista, a redução das vendas chega a 50%.” Para incrementar, ele tem uma receita:
“Abaixar em mais de 50% os preços, ou fazer em dez prestações sem juros. É o que
venho fazendo atualmente, com boa parte do acervo que possuo”.
Até nas vendas para colecionadores – aqueles que compram os artistas do primeiro
time – houve uma redução nas vendas, avaliada por Rodrigues em 30%. “A crise
existe porque o público foi às compras muito além do seu poder aquisitivo. O
dinheiro ficou curto e a arte transformou-se em supérfluo”, lamenta.
Mas existem também os marchands especialistas na classe emergente, que gosta de
arte simplesmente por achar um trabalho bonito. É gente que não está muito
interessada na arte de autor: não importa quem pinte, basta agradar. Essas obras,
muitas vezes assinadas por artistas desconhecidos, têm um bom mercado no estado.
Quem trabalha há 18 anos com a classe emergente é Sérgio Oliveira, da Arte Maior
Galeria. Ele também considera o mercado atualmente fraco. “Mas a gente se adapta.
Estamos vendendo mais, porém com preços mais baixos, com mais parcelas ou
descontos. É uma maneira de diminuir o preço”, diz ele sobre a sua matemática.
Só no mês de abril, Sérgio Oliveira vendeu 85 quadros. Na maioria, a preços
acessíveis à classe média. Seus campeões de vendas são Carlos Queiroz, Benedito
Luizi, Pedro de Souza e Socorro Lyra. A maioria do grande público pode nem ter
ouvido falar neles, mas são nomes que vivem exclusivamente da arte. Ele também
acha que o mercado não vai bem pela quantidade de gente que deseja vender
quadros que têm em casa. “Por outro lado, o dinheiro mudou de mãos. Há uma nova
clientela, hoje, que pode não entender de arte, mas que quer comprar quadros de
qualidade. Esses artistas podem e vão crescer”.
Vicente do Rego Monteiro
Pintor, desenhista, escultor, escritor, poeta e professor, Vicente do Rego Monteiro
veio de uma família de pintores talentosos, como seus irmãos Fédora e Joaquim do
Rego Monteiro. Suas obras têm importância para os colecionadores e dirigentes de
galerias de arte do Brasil e de vários países, embora tenham sido recusadas, uma vez,
pela Bienal de São Paulo. Recifense, estudou na França e, a partir de 1914, passou a
residir no Rio de Janeiro. Nasceu no dia 19 de dezembro de 1889 e morreu em 5 de
junho de 1970.
Cícero Dias
O artista nasceu dia 5 de março de 1908, num engenho em Jundiá, Pernambuco, e aos
17 anos foi para o Rio de Janeiro estudar arquitetura, na Escola Nacional de Belas
Artes. Enquanto São Paulo liderava o movimento modernista, o Rio resistia, sendo
esta escola o epicentro desta resitência. Foi adepto, no Rio, da escola modernista,
juntamente com Di Cavalcanti. Cícero Dias possui obra diversificada, que vai desde o
surrealismo ingênuo e autodidata, no início da sua carreira, passando pelo
movimento abstrato geométrico, da Escola de Paris, para retornar, na maturidade, ao
figurativo.
Reynaldo Fonseca
Pintor, desenhista, gravador e professor, Reynaldo de Aquino Fonseca é recifense,
nascido em 31 de janeiro de 1925. Ainda muito jovem frequentou a Escola de Belas
Artes do Recife, primeiro como aluno livre, fazendo depois o curso de professorado
de Desenho, chegando a professor catedrático da Escola de Artes da UFPE, na
categoria de Desenho Artístico. Em 1948, participou da fundação da Sociedade de
Arte Moderna do Recife. Estudou na Europa. Sua pintura abandonou
progressivamente a ambiência nordestina e sua temática transformou-se numa arte
universal.
Lula Cardoso
Recifense, filho de mãe pintora, aluna de Telles Júnior, e pai desenhista, além de um
primo, Emílio, também artista, o caminho de Lula Cardoso Ayres não poderia ser
outro, senão as artes plásticas. Pintor, desenhista, gravador e professor, iniciou seus
estudos com Heinrich Moser. Na década de 20 viajou para Paris, onde ficou
interessado pelas diferentes escolas modernas. Regressou ao Brasil em 26, fixando-se
no Rio de Janeiro. Em 53 voltou a residir em Pernambuco. Sua pintura tem fases
figurativas e ciclos abstracionistas. Ele nasceu em 26 de setembro de 1910 e morreu
dia 29 de junho de 1987.
João Câmara
Paraibano, nasceu dia 12 de janeiro de 1944. É desenhista, gravador, pintor e
professor. Em 1960, fez curso livre na Escola de Belas Artes, sendo discípulo de
Mário Nunes e recebendo orientação informal de Vicente do Rego Monteiro. Em 1962
montou seu primeiro ateliê, quando começou a publicar artigos sobre artes plásticas
em jornais de Pernambuco. Em 1971 foi morar em Olinda. Três anos depois instalou,
com seu amigo Delano, um ateliê de litografia, que viria a se transformar na Oficina
Guaianases. Sua pintura retrata cenas do cotidiano numa visão própria. Sua arte
digital, mais recente, é publicada todo domingo no DIÁRIO.
Wellington Virgolino
Pintor, desenhista e gravador, nasceu no Recife, em 1929, e morreu em 1988. O
trabalhador era o seu usual personagem, sob contundente expressão de protesto,
mas também de rico imaginário, onde a reinvenção de objetos de sua infância era
transformada em obras de extraordinário cromatismo, com cenas do Nordeste.
Virgolino participa da história da arte de Pernambuco integrando o Atelier Coletivo
da Sociedade de Arte Moderna. De 1950 a 61, recebeu premiações do Museu do
Estado de Pernambuco e participou ativamente de exposições no Brasil e no Exterior
Mário Nunes
O pintor nasceu no bairro de Casa Amarela, no Recife, em 27 outubro de 1869, e
morreu em 1962. Ainda jovem criou um jornal, A Paleta, no qual era ilustrador. Na
pintura, teve como mestre o pintor Telles Júnior. Era catedrático, com tese sobre
paisagem. Em 1932, junto com Álvaro Amorim e Balthasar da Câmara, montou ateliê.
Em 47, junto com o segundo, viajou à Europa, onde pintou vários quadros, visitou o
ateliê de Cícero Dias, freqüentou museus e exposições e aprimorou sua arte . Até o
final da sua vida, sempre recordou essa fase européia como um marco definitivo para
sua pintura.
Hélio Feijó
Nascido no Recife, em 26 de janeiro de 1913, morreu em 1991. É desenhista, pintor,
arquiteto e poeta. Hélio Feijó ganhou de Ariano Suassuna a seguinte crítica: “A
pintura nordestina da década de 20, marcada pelo regionalismo de Cícero Dias e pelo
modernismo de Vicente do Rego Monteiro, recebe entre vários artistas novos, Hélio
Feijó, que sempre revelou mais afinidade som os modernistas. Sua pintura, meswmo
quando incursionou pelos caminhos abstratos ou abstratizantes, mantinha e mantém
ainda um espírito semelhante ao daquela rebeldia didática da Semana de 22″.
Elezier Xavier
Nasceu em 5 de fevereiro de 1907. Aquarelista, ingressou no mundo artístico quando
o poeta Craveiro Leite o apresentou a Mário Nunes e Balthasar da Câmara. Por
intermédio destes, conheceu Henrique Elliot, que foi seu mestre em lições de
desenho. Fez cenários para peças de teatro, e ensinou desenho em várias escolas do
Recife. Sempre dedicado à pintura, juntou-se a vários outros artistas, fundando o
Grupo dos Independentes, em 1933. A partir de 1940, dedica-se quase que
exclusivamente à aquarela, técnica em que trabalha até os dias de hoje.
José Cláudio
Nasceu em Ipojuca (PE) em 27 de agosto de 1932. É pintor, desenhista, escultor e
escritor. Autodidata, aprendeu a desenhar nos papéis de embrulho da loja de seu pai,
um armarinho de miudezas. Sua evolução como pintor tem uma trajetória rápida e
ascendente, resultado dos contatos com os grandes mestres do ofício e do
aprendizado que absorveu nas suas viagens, tanto pelo país como pelo Exterior.
Escreve uma coluna semanal no DIÁRIO. Não importa muito o que pinte, transparece
sempre uma refinada qualidade nos seus trabalhos, independente da crônica regional
que ele possa fazer.
Personagem 1
Arquitetura e arte intimamente ligados. É este o mundo do colecionador Geraldo
Majella, que começou a se interessar por arte aos 14 anos, visitando a Casa Holanda,
que abria espaço para exposições, divulgando novos artistas e, de quebra, fazendo
propaganda dos seus móveis. Outra galeria informal acontecia na Faculdade de
Direito. Foi lá que Majella conheceu o trabalho de Cícero Dias. “Fiquei interessado
por Dançarino ou Mamoeiro?. Tanto que hoje ando atrás deste quadro. Vou
comprá-lo”, promete.
E colecionador de arte é isto. Não descansa enquanto uma obra específica não está
pendurada na sua parede. “Fui me interessando por arte e já cursava Arquitetura,
curso ligado à Escola de Belas Artes. Era por aí que eu conhecia cada vez mais os
artistas. Mas não tinha condição de comprar. Só pude comprá-los a partir da década
de 50″, relembra.
Hoje ele tem perto de duzentos quadros. “A princípio, só comprava de artistas
pernambucanos e que estivessem começando nas artes plásticas. Com o tempo, fui
diversificando. Só não gosto de me definir como colecionador. Este não perde a
oportunidade de comprar e isto não é meu caso. Compro quando gosto”, diz.
A pinacoteca de Geraldo Majella é formada por obras de José Cláudio, João Câmara,
Ismael Caldas, Reynaldo Fonseca (xilogravuras e aquarelas que antecedem a fama do
artista) e outros, não pernambucanos, comprados em leilões, como Scliar, Sigau,
Jobert, Rebolo, Rapopot e Antonio Maia.
Personagem 2
O médico-otorrino Expedido de Almeida Soares é daquelas pessoas que adoram arte.
Mal termina de comprar um quadro e já está pensando em outro. Sua casa não tem
mais parede para exibir tantas obras. Tanto assim que ele diversifica sua coleção
começando a comprar esculturas.
Expedito inaugurou a sua pinacoteca em 1982, com uma ladeira de Olinda pintada por
Jesse Pimenta, artista de Brasília, que estava voltando à capital federal e queria se
desfazer da obra. “Foi assim que ingressei no mundo das artes. Mas só comprei
outros quadros a partir de 1990″, diz.
Expedito Soares jamais deixou de ir a exposições, fossem individuais ou coletivas.
Olhava e ficava na paquera, como ele mesmo conta. Já estava totalmente envolvido
pelo mundo das emoções vindas das cores e pinceladas. “Comecei a me interessar
ainda mais. Conhecia cada vez mais artistas e, quando estava em São Paulo, estive na
Pinacoteca. O que eu via me escandalizava e, aos poucos, fui comprando mais
quadros”.
Sua pinacoteca possui mais de trinta telas, com trabalhos de Zuleno, Sansão, Sátiro,
Queralt Prat e Ascal, entre outras. Seu trabalho preferido é Jogadores de Polo, de
Sátiro. E, apaixonado pela diversidade nas artes plásticas, começa a ampliar seu
acervo de esculturas. A primeira que comprou é do artista Jobson Figueiredo,
seguida de Corbiniano Lins e, agora, mais uma, de Ascal. Mas promete a si mesmo
não parar. Nem com as esculturas e muito menos com os quadros.
Fonte | Diário de Pernambuco | 17/maio/98 |