ACASOS
A noite nem bem começa e o telejornal local com uma manchete (O jantar está um pouco caótico, ninguém presta atenção): “4 mulheres são encontradas mortas na praia de Calhetas. Elas estavam desaparecidas desde a quarta feira. Foi o marido de uma das vítimas que achou os corpos, em adiantado estado de decomposição!”.
Todos param o que estão fazendo. Calhetas é uma praia que fica logo depois de Gaibu, bem perto dali. Ninguém tinha prestado atenção na notícia do desaparecimento. Aquilo incomoda.
O apresentador continua: “Mãe, irmã, prima e filha, entre 12 e 45 anos, foram estupradas e mortas a tiros e facadas”.
Anderson faz qualquer comentário sobre o assunto. Os demais cochicham qualquer coisa. O fato incomoda. A possibilidade de acontecer com alguem ali, é remota, mas é algo muito próximo. A violência está perto.
Célia e Fátima se incomodam com o que aconteceu no fim da tarde. Comentam que aquela experiência fica por ali, já basta a aporrinhação dos pais. Bárbara apenas murmura um desagrado.
– E ai, Bárbara, está pronta para a festa logo mais. Vamos ao Robbert Soul?
– Não tem graça aquela casa de shows. Vamos ficar poraqui. O Clayton tá bolando uma festa aqui mesmo.
Célia achou a idéia interessante: – Sabia alguma coisa. Anderson me falou algo parecido. Cervejas, tira-gostos, adoro calabresa com fritas e dançar, baladar muito!
Fátima arrasa: – Está decidido. Vamos todos ficar aqui. Vou combinar com Patterson.
As ruas de Porto Galinhas estão quase vazias. Os veranistas estão nas suas casas, pousadas ou restaurantes. São 11 da noite. A Robbert Soul, a maior casa casa de shows da vila está em pleno vapor em seus 4 ambientes.
Aquelas jovens, mãe e filha, vão apressadas. Não querem chegar atrasadas em casa. Estão voltando do encontro das sextas na igreja evangélica local. As ruas mal iluminadas criam um certo clima de apreensão, mas estão acostumadas. Não há o que temer.
Logo atrás delas, no mesmo sentido, um carro de 4 portas vem se aproximando devagar, quase às seguindo.
Apressam o passo. Ouvem-se risos. O carro se aproxima. Ouvem-se gritos. Silêncio. Ninguém ouviu nada.
Muro Alto é uma das praias perto de Porto Galinhas, com hotéis e casas muito chiques. Terrenos cercados, praias quase particulares, acessos exclusivos. Um local para namorar, mas isso antigamente, quando qualquer casal poderia fazer isso com segurança, mas agora…
Agora, naquela estrada que dava na antiga Fazenda Merepe, silenciosa, deserta, um carro de 4 portas se aproxima. Quase não se ouve o barulho do motor. O barulho agora é de 4 rapazes que descem arrastando duas mulheres. Elas saem assustadas, as vestes rasgadas.
Os garotos riem. O farol do carro ilumina a cena. A mais velha, aparentando 30 anos, está silenciosa, submissa, o pavor travou a língua. Vê, impotente, o mais velho do grupo, puxar a garota, arrancar a calcinha e pular em cima, enquanto os outros riem. Os movimentos se aceleram, ele se levanta, limpa o pau num pedaço de tecido. Vem outro, vem outro, vem outro. A jovem mãe também é requisitada. A filha não grita, não chora mais. Está quieta, olhando para a mãe, enquanto esta é estuprada.
Tudo termina. Ainda não. As duas mulheres estão ali, quietas, deitadas no chão, pedindo para tudo acabar. Nem sequer imploram pela vida, que é extinguida com vários tiros. Um dos rapazes pega uma garrafa vazia de cerveja e enfia na vagina da menorzinha. Riem. O carro parte.
A festa na Casa está bem alta. Clayton, Anderson, Patterson e Rodrigo acabam de chegar com mais cervejas.
– E ai, Anderson, por que a demora? Foram comprar em Recife?
– E onde a gente vai comprar cerveja nessa hora? Tive que ir lá em Porto. Compramos caro, a essa hora.
– Falta de planejamento!
As primeiras horas do sol pegam o caseiro de uma das mansões de Muro Alto na estrada, a caminho do trabalho. A bicicleta não ajuda muito, tem pneus finos. Ele fica pensando que tem comprar pneus balão ou uma bicicleta mais robusta. Aquele barro atrapalha muito o pedalar.
De longe vê urubus em círculo. “Esse pessoal não tem onde jogar carniça!”, resmunga enquanto se aproxima e vê uns pontinhos negros de longe. “ih, espero que levem logo essa porcaria”, protesta.
Ele muda o nojo para o pavor, quando vai chegando mais perto, temendo pelo que pudesse encontrar. Os seus temores são logo confirmados: são corpos. Corpos de duas mulheres, seminuas. Ele chega perto e vê que embora estejam com a roupa, estão sem calcinhas. Vê logo a marca de tiros nas cabeças, uma delas deformada de tanta porrada. E a garrafa…
Demora para chegar a polícia. O local está infestado. A polícia técnica também demora. Um perito vai logo reclamando: “O local não foi preservado. Meu Deus, por que tem que ser sempre assim, porra!”.
Não há o que fazer. Fotos são tiradas. O repórter fotográfico de um jornal sensacionalista tenta fazer umas fotos dos corpos, mas parentes das vítimas não deixam. Há uma início de confusão, mas chegam logo a um acordo. Nada de fotos.
Na Casa, a festa acabou. Todos dormem. Fim de festa.
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