Ocaso do Acaso

O acaso acontece 

– Dois corpos? – assusta-se o piloto.

– Precisa ver. Tão bonitinhas, novinhas, uma pena – lamenta a arrumadeira.

– Como elas estão vestidas?

– Ah, com roupas de praia, acho, saídas de praia.

O piloto deixa tudo largado e sai correndo, no carro do patrão.

A cena é para quem estômago forte. As garotas estão seminuas, com as roupas de praia enroladas no pescoço. Todas sem a parte de baixo. O detalhe da garrafa na vagina de uma delas é chocante. Os populares espicham o pescoço para ver melhor. 

Como sempre, a polícia chega atrasada, o carro da polícia técnica também. Os peritos já vêem de longe que o local está uma merda para o seu trabalho. Tudo violado.

Um cordão de isolamento é esticado, chega a imprensa, inclusive os fotógrafos, que trabalham rápido antes de qualquer proibição.

A delegada Patrícia acaba de chegar. Veste roupa jeans, casaco idem, os cabelos amarrados com uma maria chiquinha azul contrastam com os lábios vermelhos de batom. A homenzada se assanha vendo aquela gata com um revólver deste tamanho na cintura. Um repórter arrisca uma pergunta:

– Numa mesma semana mais mulheres estupradas! E a polícia está fazendo o que?

A Delegada não aceita a provocação, mas responde:

– O estupro é feito por uma mente doentia. Com certeza este homem, ou estes vários homens, sofrem de disfunção erétil pronunciada, tem dificuldade de se aproximar normalmente das mulheres, geralmente é tímido e, na maioria das vezes, sofreram de violência sexual na infância pelo pai, padrasto, parentes ou vizinhos. Tenho minhas dúvidas se esta é a preferência sexual deles, uma vez que o enrustido tem sérios problemas de aceitar a sua homossexualidade.

– A senhora está sendo muito radical, doutora? – desafia um repórter.

– O detalhe da garrafa na vagina das vítimas me parece muito conotativo. Com certeza, trata-se apenas de uma transferência física uma vez que psicologicamente assim lhes parece como é – fuzila a Delegada Patrícia.

Patrícia fica pensando que se não fosse o regime democrático ela saberia o que fazer quando encontrasse os assassinos. Ah, iam saber mesmo!

O piloto da lancha acaba de chegar ansioso. Se aproxima empurrando aqui e ali até bem próximo. Com o coração saindo pela boca, relaxa quando vê as vítimas. Não são elas! Mas ele sabia que isso não minimiza a tragédia. Alguém, em alguém lugar, vai sofrer muitos. Alguém não, alguéns.

Mas – pensa o piloto – onde estarão as garotas? Com essa idéia, ele volta, sem pressa, para casa.

A Casa está acordando. Aos poucos as pessoas vão sabendo da tragédia. O temor é grande. Aquelas duas meninas que mal conheciam, que pena. Um clima apreensivo toma conta, cada uma garota pensando que poderia ser com uma delas. 

O piloto chega, todos correm para saber das novidades, que são boas para eles. Não foram elas. Outras elas que morreram.

Já são quase dez da manhã quando se ensaia os primeiros cafés da manhã. Alguém pergunta onde estarão as meninas, quando os Crápulas chegam pela porta da frente.

– E ai, bróder, já dando uma voltinha na praia? – pergunta alguém.

– A gente tá chegando agora, porra! – resmunga irritado Patterson.

Os quatros se posicionam na ponta da mesa, pedem alguma coisa à cozinha e ficam amuados, cochichando entre si.

– Alguém viu Bárbara, Célia ou Fátima poraí? – pergunta uma garota.

– A última vez que vi estavam com esses pestes aí – cochicha alguém, apontando para os Crápulas.

A mesma garota dispara a pergunta para os rapazes:- Ei, cadê Bárbara, Clayton?

– Vá pra merda, porra! – é a resposta.

O dono da lancha que é tio de Sandra, a dona da casa, está apreensivo. Estas garotas de hoje são infernais. Ontem sumiram duas. E agora, essas três que sumiram. Um perigo essas praias. Sandra Delaney está de mal humor como sempre. Ainda é cedo. Acordada pelo tio, é inquirida sobre os destinos das moças.

– Sandra, isto tem que ter um fim. Ontem duas garotas se desgarraram da lancha, em Maracaípe, e, até agora, nenhuma notícia. E, agora, as nossas amigas Bárbara, Fátima e Célia não amanheceram na casa.

– Tio, quem manda hoje nas famílias são os filhos. São tudo grandinhas, vacinadas…

– … grandinhas? Com 16 anos? Sandra, isso é caso de Polícia, alguém tem que controlar isso.

– Tou velha demais para ser mãe de alguém, tio. Elas estão porai, nos braços dos namorados, em algum motel. Estão acostumadas a não dar satisfações. Aliás, tio, eu dou satisfação alguma pra você, dou?

– …

Não há mais diálogo, Álvaro Delaney trabalha 12 horas por dia, quase não tem feriado nem fim de semana, e, quando tem, uma merda dessa acontece. Está puto da vida. Se lembra de um colega de infância, nada mais, nada menos, que o Secretário de Segurança Pública. Liga pra ele.

– Alô, Tales! é o Delaney.

– Diz, meu velho. Só você para me ligar nesse lindo domingo de sol.

– Vou direto ao assunto. Estou aqui com uma turma de jovens, na casa de Sandra em Serrambi, e, ontem, duas adolescentes foram para Maracaipe, e não voltaram. Eu deixei elas de lancha na praia e elas perderam a hora da volta. Hoje, de manhã, três jovens não amanheceram na casa.

– Isso é coisa de jovem. Lembra-se o que a gente fazia lá no bairro dos Coelhos, Dela?

– É sério, Tales. E esses estupros nas praias, estou com medo.

– Ora, Dela, esses estupros é acerto de contas entre esses drogaditos. Não vou perder tempo com isso, não. 

– Deixa de ser cínico, Tales, nem parece que você é da Polícia!?

– Olha, Dela. A polícia tem problemas de dinheiro para gasolina, armas velhas, falta de munição, falta de gente qualificada, baixos salários, a gente só vai cuidar de problemas importantes.

– Bárbara, Célia e Fátima são importantes, você sabe quem são essas três.

– Se é a Bárbara Travassos, já sei de quem são filhas as outras – muda de tom Tales.

– Pois é.

– Elas sumiram que horas?

– Depois da meia noite.

– Oficialmente só podemos fazer qualquer coisa  depois de 24 horas. Olha, cara, dá um tempo. Liga pra mim de noite.

– E você nem pergunta das outras duas meninas?

– São filhas de quem?

– Não sei.

– Deixa, se aparecer, aparecem. 

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