Ocaso do Acaso

O CASO

O fim de semana em Serrambi prometia ser bom demais. E, com certeza, o feriado prolongado da Semana Santa também prometia para as três famílias, unidas pela amizade de três adolescente e amigas: Fátima Linhares, Bárbara Travassos e Célia Galvão. Em comum, o fato de suas mães serem casadas pela segunda vez e os ex-maridos no terceiro e quarto casamento.

Júlia Linhares, de prendas domésticas, vivia da pensão do marido e de uma franquia no Shopping Center Recife, na praça da alimentação. O ex-marido, Fábio Linhares, no terceiro casamento, é um grande empresário da construção civil em Pernambuco e dirigente classista, além de candidato a cargo político.

Etiene Travassos tem três filhas, mas a caçula Bárbara, do seu segundo casamento, era a mais problemática. Estudante de pós-graduação em Sociologia, mal tinha tempo para se dedicar à estafante obrigação acadêmica, pois estava ás vésperas de defender sua tese. Gustavo Apolinário, ex-major do exército, um dos maiores especialistas em operações anti-terrorista na época da ditadura, é dono de uma das maiores empresas de segurança da região.

Stefania Galvão, psicóloga militante, uma das melhores em atividade no Recife, também não tinha o que se queixar financeiramente. A pensão do ex-marido também era o suficiente para suas mordomias e fantasias. Cleudson Galvão, no quarto casamento, ainda nutria grande paixão pela ex-esposa, motivo de ciumeira da sua ex-secretária, atual esposa. Ex-banqueiro, é dono de uma factoring e de uma rede de locadoras de automóveis.

As adolescentes também tinham duas coisas em comum: as idades e o colégio. Todas com 16 anos, estavam naquela fase de que tudo podia tudo, fosse como fosse, exacerbando a liberdade que não fora conquistada ou concedida: a ausência dos pais, as faziam líberas do lazer total.

O Colégio Metrópole é o maior e mais caro estabelecimento de ensino do Grande Recife. Ali, só estudam crianças e adolescentes da classe A, exceto algumas míseras bolsas de estudo integrais, para justificar o grau de benemerência da diretoria do Colégio…

Os muros de 4 metros de altura nunca foram suficientes para impedir as fugas de garotas e garotos, para cumprirem um turno mais, vamos dizer, interessante no horário da manhã (ou da tarde), sejam em motéis ou no shopping. Não era por acaso que neste ano cinco adolescente, entre 13 e 15 anos, estavam grávidas. Isso apesar da campanha da Aids e da vigilância de pais e professores! As aulas começam as 7 da manhã e vão até as 13 horas; a seguir, a maioria dos alunos sempre têm que cumprir mais um turno de cursos ou aulas especiais, alternativas, e, uma boa parte, ainda entram pela noite em outras atividades extra-curriculares. A desculpa bem que poderia ser aumentar o nível cultural, melhorar o currículo, mas, na verdade, essa ocupação total de horário é bem adequada para pais e mães que não tem lá muita vontade de acompanhar os estudos dos seus filhos. Júlia, Etiene e Stefania não eram mães ausentes, como achavam algumas más línguas, quando muito se poderia dizer que fossem muito ocupadas, mas compensavam esta falta de tempo, acompanhando suas filhas nas badaladas baladas da noite recifense ou nos passeios de fins-de-semana (inclusive cinemas), ou, até mesmo, circunstanciais visitas aos shoppings. Elas tinham que ser mães, pais e amigas das suas filhas, preocupadas com as ameaças e atrativos que rodeiam os pré-adultos. Pelo que se pode entender, não haviam preocupações pecuniárias no caminho das três famílias, nem outras grandes obstáculos no dia a dia de cada uma delas. E foi assim, que Fátima, Bárbara e Célia, acompanhadas de suas respectivas, mães, , partiram para o fim de semana na praia de Serrambi, no litoral sul de Pernambuco.