Cinderela atinge 935 apresentações e torna-se a peça mais assistida do Nordeste

Ivana Moura
Da equipe do DIÁRIO
Quinta-feira, nove da noite. Teatro Valdemar de Oliveira. O público
diversificado aguarda ansiosamente pelo início da peça Cinderela, A Estória
Que Sua Mãe Não Contou. São casais, senhoras e senhores de cabelos
brancos e até crianças. O espetáculo, em cartaz há sete anos, foi visto por
400 mil espectadores em 935 apresentações (sendo duas para o programa
Viva a Nota – com 20 mil cada). Já bateu os recordes de público no Nordeste.
Em façanha numérica perde para as montagens do sudeste Irma Vap, que
ficou oito anos (com Marco Nanini e Ney Latorraca), a peça espírita Além da
Vida (15 anos em cartaz, mas com mudança de elenco) e Trair e Coçar, É Só
Começar, com temporada há 14 anos. Do Nordeste, a montagem que mais se
aproxima de Cinderela é A Bofetada, criação baiana que ficou cinco anos de
pé.
“É um fenômeno de massa”, festeja o ator Aurino Xavier. E quem duvida? Os
atores de Cinderela ostentam pose de pop stars. São parados na rua, dão
autógrafos, são solicitados para tirar fotos. O termômetro paramedir a
popularidade dessa Trupe do Barulho (nome da cooperativa) são os momentos
de agradecimento, em que o público faz questão de falar com cada um dos
intérpretes e cumprir todo ritual de tietagem.
Cinderela estreou acanhada, sem estardalhaço. Primeiro foi aquela sessão
praticamente para os amigos. Em 20 de setembro de 91. Depois começou o
boca a boca. “No começo, eram seis convidados, quatro pagantes e foi
crescendo gradativamente”, lembra a administradora do Valdemar de Oliveira,
Izolda Barreto. A peça foi montada com coisas emprestadas dos amigos,
tanto para os figurinos quanto para os cenários. Muito depois é que a coisa
engatou. “Mas a cada semana foi aumentando. Eles foram fazendo promoção
com ingresso em troca de alimento, ficha telefônica, vale transporte,
camisinha”, diz Izolda.
CADEIRA CATIVA
Atualmente, a Trupe do Barulho tem pauta cativa no Valdemar de Oliveira.
Quando termina a temporada? Só Deus sabe. Na prática, somente uma
certeza: o espetáculo termina quando o público parar de encher a casa. E
ninguém tem a menor idéia de quando isso pode acontecer.
Além disso, todos são unânimes em falar que em time que está ganhando
não se mexe. A moçada sobrevive basicamente do teatro e das
apresentações de Cinderela, condição invejada por muitos outros atores da
cidade. Não existe um segredo de sucesso. E se existe, eles não sabem a
receita. Mas pelo menos, a convivência entre os integrantes do grupo é a
melhor possível. “Passamos por todas as experiências de convivência em
grupo e hoje a energia é bem melhor”, comenta Beto Costa.
Além de dominar o público do Recife há tanto tempo, Cinderela já se
aventurou em outras praças e com boa resposta da platéia. Em 93 fez uma
temporada de três meses no Teatro da Praia (Rio de Janeiro) e, em maio
último, foi para uma final de semana em Santos , onde acabou ficando por
dois, depois da ótima recepção nas primeiras apresentações. O que a Trupe
do Barulho ainda sente é a lerdeza dos patrocinadores. Que eles são craques
em comunicação, não há dúvida. Que eles têm público, os números
comprovam. Mas para conseguir um apoio, o pessoal tem que correr atrás
como no começo.
Nos primeiros tempos da peça, os atores não falavam palavrão, para não
chocar os mais conservadores. Depois resolveram escrachar mesmo. “O
público foi instigando a isso”, comenta Flávio Luiz. Os atores pensam que o
público vai mesmo para se divertir, para ter contato mais próximo com eles.
E a peça foi à TV, ao disco, à rádio…
Cinderela estourou como sucesso com seis meses de temporada e o
empurrãozinho da participação da trupe no desfile das Virgens de Olinda.
Abriram canal para a televisão. Até hoje, o grupo fez quatro especiais para
televisão, sendo três pelo SBT (dois de Natal e um de São João) e um pela
Globo: Cinderela e Zelezinho no Galo da Madrugada.
O programa de rádio Ôxe, Mainha!, de segunda a sexta, das 12 às 14h,
ocupa o primeiro lugar de audiência do horário no Recife, pela Rádio Top FM.
São quadros variados, que incluem horóscopo plurissexual, consulta com a
bicha madrinha, leitura de cartas. Por dia, eles recebem em média 30 faxes e
cartas de que não dão conta. “O que mais me encanta é a resposta imediata
do ouvinte”, ressalta Aurino.O programa, lógico, ressalta o lado humorístico
da turma, que sempre procura usar o bordão de brincar com o
homossexualismo implícito à peça.
Além do programa de rádio, Jeison Wallace (Cinderela) e a banda Pão com
Ovo garantem a vendagem do CD Ôxe, Mainha! depois das apresentações.
“Já vendemos 10 mil cópias”, comemora o ator, que conseguiu emplacar a
música do mesmo nome no carnaval de 96, quando tinha apenas um fita
demo. Foi daí que surgiu a banda: com um clip veiculado insistentemente pela
TV Jornal, a canção explodiu nas ruas e tornou-se uma das mais executadas
dos festejos daquele ano. Daí para a gravação do CD foi um pulo.
Do elenco original, formado totalmente por homens que interpretam as
personagens, a única mudança foi a entrada de Paulo de Pontes no papel de
Madrasta, em função da morte de Luciano Rodrigues. “É o clube do Bolinha.
Aqui mulher não entra”, brinca o diretor e ator Roberto Costa. Alguma
discriminação? Nem de longe. Jeison Wallace, intérprete da Cinderela dos
subúrbios recifenses, explica que as atrizes não conseguem ser caricatas
sobre esse universo.
Personagem da notícia
Jeison Wallace
Jeison Wallace fez apenas um curso de iniciação teatral, em 84 na Funeso,
com Carlos Gomes, na época diretor do Grupo Colcha de Retalhos. Foi um
suficiente para encontrar seu caminho profissional. Sua verve cômica, o timing
do riso o ator pegou do cotidiano. O gestual, o swing e as gags ele aprendeu
no subúrbio de Afogados, onde cresceu. “O que uso no palco são coisas do
meu cotidiano. Acho que é por isso que as pessoas se identificam tanto.
Muitas chegam para falar comigo e dizem que pareço demais com a
empregada, ou que a filha diz aquelas coisas de ôxe, mainha”.
Ele sempre quis ser cantor e mesmo quando trabalhava num escritório do
contabilidade do tio alimentava esse desejo. Depois do curso, foi trabalhar em
várias companhias. De manhã e de tarde participa do elenco das montagens
do produtor Paulo André Guimarães, à noite participa dos Salve-se quem
Puder e ainda tinha que esticar nos show nas boates, de madrugada.
Muita gente pergunta se Wallace ficou rico com sua performance de
Cinderela. Ele garante que ganha um dinheirinho para viver bem, mas tem
uma família grande para sustentar. “Sustento 10 pessoas e duas casas, cinco
crianças na escola. Tenho muitas responsabilidades”. Mas confessa que o
sucesso de Cinderela mudou seu padrão de vida. “Comprei carro, telefone e
posso comer melhor, além disso, não preciso ficar me desdobrando em várias
produções”. Mas o melhor disso tudo é o reconhecimento do público.
“Cinderela virou uma coisa popular, carnavalesca”.
O comediante mora em Pau Amarelo num apartamento próximo de sua mãe.
“Gosto de viver sozinho, ter minha liberdade”. diz. O sonho do ator de
Cinderela não é exatamente igual à da protagonista da peça, que quer casar e
ser feliz para sempre. “Meu sonho é poder parar por um mês, de férias”.
Desde que começou a temporada, há sete anos, ele não pode usufruir desse
prazer.