LISBOA – Comecei a escrever esta crônica em 1988, interrompi-a, voltei a lê-la agora e constatei que ainda tem alguma atualidade. Por isso resolvi publicá-la tal e qual se encontrava. Portanto, prossigo: é simplesmente lamentável o que está a acontecer com os filmes pornográficos no Brasil. Não são mais levados em consideração, abandonados que estão nos meios da divulgação social. Nem sequer merecem o direito de figurarem nos roteiros dos segundos cadernos da vida, mesmo quando estão em exibição. Serão eles aidéticos, leprosos, sifilíticos ou apenas transmissores de novos morbos? Não está direito. Desde Portugal, protesto.
Protesto contra este preconceito. Protesto e voto contra. Os filmes pornográficos, de sexo explícito e cenas eventualmente chocantes, são referências culturais.
Uma das mais brilhantes criações da sacanagem brasileira não eram os porno-filmes mas os seus títulos, e mais do que os títulos, as “chamadas” e os slogans usados na publicidade dos mesmos.
Dou exemplo: o título do filme era Delírios Sexuais de uma Boca Gulosa, depois vinha a “chamadinha” “Boca gulosa estava ali!.. Quanto mais engolia, mais delirava sexualmente!” e como complemento apelativo, a descrição: “25 anos, jovem, fesquinha, gulosa, uma fofura que faz amor à vontade e adora delirar na cama”. E acompanhada de foto bem explícita.
Hoje, infelizmente, os jornais – parece – que já não aceitam anúncios, ou os exibidores estão tão ricos que não precisam propagandear, ou tão pobres que já não mais o podem fazer.
Lembro-me, e não faz tanto tempo assim, coisa de um, dois anos para cá, que havia no Recife vários cinemas especializados nesses tipos de filmes: no Albatroz estava em exibição Hey Baby – Uma de Cada Vez Para T… (?), no Eldorado, Penetrações Preferidas da Mulher, no AIP Minha Primeira Vez, no Especial, De C… Para Cima. Havia ainda o Trianon, o Ritz e o Astor. Estávamos no ano de 1988.
Um que passou no Ritz: “Um escritor louco por sacanagem… Uma viúva louca para entrar bem… E tudo nu por trás (sic) do espelho!”, no filme B… B… P… Por Trás (sic) do Espelho -“O tremendo erótico sexual do ano!”.
Numa só semana, o freguês podia escolher entre Cal… de Viúvas Taradas, no Ritz, que já anunciava para a semana seguinte mais um hit: “Uma loucura total com ótimas mulheres! Gostosas e alucinantes”; no Astor, Garotas Quentes Para Marujos Tarados, Garots Sacanas e Marujos que Não Perdem uma F… (Elas se alistam na marinha para aprender coisas duras e mais gostosas); no AIP O Desejo da Carne e no Especial, a estonteante Marilyn Chambers mandava brasa em A Insaciável 2. Antes, a mesma M.C. já se tinha mostrado em Sexo Insaciável 1, mas havia mais: “Na escola dessas alunas gostosas onde mais se aprendia era na aula dos PROFESSORES TARADOS… Elas topavam tudo” e o filme por si só não queria dizer muita coisa, apenas Mocinhas Diplomadas.
Eu teria escolhido a Explosão do Sexo.”Garotas quentes e atrevidas. Elas enloquecem todos os tarados”, ou Moças Ruivas Para Homens Tarados ou deixar-me-ia seduzir pelo apelo de “Uma mulher cuja fúriasSexual envolvia os homens entre as pernas” e convidava: “Vamos gozar outra vez em Paris”.
No Moderno exibia-se O Desejo da Carne – “As mais lindas e famosas mulheres nuas envolvidas no sexo explícito. O sexo praticado com tal intensidade que provoca tanto prazer, levando à loucura e à morte”.
Como o leitor já deve ter notado, “tarado/a” é a palavra – chave: tarado é o público, tarada a atriz ou a ação do filme, pois como vocês devem estar lembrados, essas fitas eram dirigidas quase exclusivamente ao público masculino, tarado portanto.
Mas os filmes eram para atender a todas as taras, zoofilia inclusive: Alucinaçaões Eróticas de um Jegue, Um Homem, uma Mulher, um Cavalo, Mulheres & Cavalos, Tudo por um Cavalo, As Taras de um Puro Sangue, Experiências Sexuais de um Cavalo, Júlia e os Pôneis, As Amantes de um Jumento e Alucinações Sexuais de um Macaco.
A HORA DO BRASIL As Taradas do Sexo Explícito (Vai e Vem à Brasileira).”Elas estão a sua disposição… só adultos mesmo… sexo real… sexo puro… sexo ao vivo… um filme de Manoel Carlos”. Manoel Carlos, quem diria.
Isso foi quando o cinema brasileiro “assumiu” o sexo explícito, abandonando as açucaradas e ingênuas pornochanchadas. É nesse período que com diretores como o já citado Manoel Carlos, Sílvio Abreu, Cláudio Cunha, Carlos Reichenbach, Ody Fraga e David Cardoso, principalmente este último, como ator, diretor e produtor, que o cinema pornográfico brasileiro deu seu salto qualitativo, seguindo a trilha aberta pela exibição dos “clássicos” hard-core norte-americanos de Damiano, lançados, creio eu, em 1980: Garganta Profunda, O Diabo na Carne de Miss Jones e Joana.
* Este artigo é apenas para que esta época fique registrada.